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Mostrando postagens com o rótulo Filosofia antiga

Estoicismo: quatro lições de Epicteto para uma sabedoria de vida

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A razão pode nos ajudar a viver de maneira mais satisfatória. Muitas das tribulações pelas quais passamos têm origem em nossos pensamentos, de modo que enxergar a realidade sem ilusões pode nos poupar muito sofrimento. Este é um dos principais objetivos da parte prática da filosofia estoica, a qual nos oferece uma sabedoria de vida que pode diminuir nossa ansiedade, dissipar nossas falsas preocupações e até mesmo nos ajudar a lidar com a depressão. As diversas lições do filósofo estoico Epicteto que apresentaremos a seguir estão agrupadas em quatro categorias: 1) não dependa do que não está em seu poder, 2) os pensamentos não são as coisas, 3) nada nos pertence e 4) o filósofo se faz pela prática. Estas lições serão apresentadas após uma breve biografia do filósofo escravo e uma breve introdução ao estoicismo. Quem foi Epicteto? Epicteto nasceu por volta do ano 50 d.C. na cidade de Hierápolis, na Frígia (hoje Pamukkale, na Turquia). Filho de uma escrava, ele foi trazido a Roma em idade...

Podemos ensinar alguém a ser virtuoso? Sócrates e a virtude no "Mênon", de Platão

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Platão e Atena. Créditos da foto: Glauber Ataide (tirada em Atenas, Grécia, em 29/07/2020) O diálogo Mênon , de Platão, se inicia com o interlocutor de Sócrates perguntando, de maneira abrupta, se a virtude pode ser ensinada. Ao contrário de outros diálogos platônicos, nos quais há toda uma preparação e uma contextualização, este começa diretamente no tema. Sócrates responde que não saberia dizer se a virtude pode ou não ser ensinada, pois ele nem mesmo sabe o que é a virtude. A conversa se volta, então, para um exame do que é a virtude. Mênon tenta explicar a virtude apontando para exemplos, no que é corrigido por Sócrates. Se são várias as virtudes, o que seria aquilo que lhes confere unidade, de modo que todas possam ser chamadas de virtude? Mênon tenta ainda várias outras definições de virtude, mas falha em todas. Ao perceber que estavam em um impasse, Sócrates propõe uma nova forma de tentar responder à questão inicial de Mênon: investigar por hipótese , à maneira dos geômet...

Precisamos de amigos para viver feliz? Sêneca sobre Epicuro e a amizade

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Nos três últimos anos de sua vida, o filósofo romano Sêneca (4 a.C. – 65 d. C.) trocou uma série de correspondências com um destinatário chamado Lucílio. Dele sabemos apenas que foi um procurador romano na Sicília, e além dessas cartas, nenhuma outra fonte da antiguidade o menciona.  Mestre e discípulo conversavam sobre diversos assuntos. Em uma dessas cartas – cuja existência conhecemos apenas pelas referências de Sêneca -, Lucílio pergunta se o filósofo grego Epicuro tinha razão ao afirmar que o sábio bastaria a si mesmo, e que não precisaria de nada externo a si para viver feliz, nem mesmo de amigos. Seria possível uma vida sem amigos? Precisamos deles para ter uma vida plena e feliz?  Sêneca responde que a reflexão de Epicuro deve ser entendida no sentido de que, mesmo que o sábio se baste a si mesmo e possa viver sem amigos, ele não deseja isso. Tomada em seu contexto, a afirmação é uma resposta aos estoicos, os quais afirmavam que a ataraxia , ou uma paz inter...

O que é amor platônico? Seu verdadeiro significado em "O banquete", de Platão

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O amor platônico não é um amor idealizado, distante, em que o amante não revela seu desejo à pessoa amada, sem contato físico ou relação sexual. Esta visão do amor, na verdade, devemos muito mais ao romantismo do que propriamente a Platão 1 . Para compreendermos o que o filósofo grego entendia por amor, voltemo-nos para a obra em que ele mais se ocupa do tema, que é O banquete . O livro tem este título porque o diálogo se passa literalmente em um "banquete", no qual vários convidados estão discutindo o tema do amor e apresentando suas opiniões. A tradução  "banquete", porém, é enganosa, pois o nome grego original é "Symposia", que se referia a um tipo de festa na antiga Atenas que não envolvia a consumação de comida, mas apenas de bebidas. As pessoas comiam antes de participar destes eventos, chegando lá já satisfeitos. Em português, o termo "banquete" se refere principalmente à comida, o que acaba encobrindo e desvirtuando um pouco o significa...

Os tipos de desejos em Epicuro

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Epicuro nasceu em 341 a.C. na ilha de Samos, na Grécia, e morreu em 271, em Atenas, cidade na qual ele fundou sua escola de filosofia que ficava, na verdade em sua casa. Em sua casa havia um jardim, e por isso ele é chamado de “filósofo do jardim”. Ele era um filósofo mais modesto: não tinha uma grande Academia, como Platão, um Liceu, como Aristóteles. Este jardim era como uma horta, e ele se reunia com seus discípulos mais como amigos do que como alunos, e por isso ele era chamado também de jardim da amizade, ou dos prazeres. O filósofo do jardim estava interessado, sobretudo, no tema da vida beata, feliz, mas não apenas nisso: escreveu mais de trezentos tratados. Seu Tratado da natureza, por exemplo, continha trinta e sete livros, e falava sobre os átomos e o vácuo. Seu conceito de filosofia é inseparável da intenção de evitar ao homem todo o sofrimento possível. Por isso ele afirma que “Todo desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira filosofia.” (Epicuro, “Antologi...

A imutabilidade de Deus em "A República", de Platão, e a análise lógica de Boole

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Argumentos longos e complexos constituem um desafio à verificação de sua formação e validade, demandando tempo, atenção e rigor para que sejam testados. Apresentamos, abaixo, um exemplo de como aplicar uma análise lógica em um argumento extenso a fim de verificar sua coerência. O texto foi extraído do Livro II de A República , de Platão, e apresenta um diálogo entre Sócrates e Adimanto, no qual o filósofo de Atenas argumenta que Deus é imutável. Logo após apresentamos a formalização deste argumento realizada pelo lógico George Boole, já no século XIX, a qual revela a impecável  forma do raciocínio de Platão. Sócrates — Vejamos agora a segunda regra. Acreditas que Deus seja um mágico capaz de assumir, perfidamente, formas variadas, ora de fato presente e transformando a sua imagem numa infinidade de figuras diferentes, ora enganando-nos e mostrando de si mesmo apenas simulacros sem realidade? Não será antes um ser simples, de todo incapaz de deixar a forma que lhe é própr...

Alternemos a solidão e o mundo

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"É preciso frequentemente recolhermo-nos em nós mesmos: pois a relação com pessoas diferentes demais de nós perturba o nosso equilíbrio, desperta nossas paixões, irrita nossas restantes fraquezas e nossas chagas ainda não completamente curadas. "Misturemos, portanto, as duas coisas: alternemos a solidão e o mundo. A solidão nos fará desejar a sociedade e esta nos reconduzirá novamente a nós mesmos; elas serão antídotas, uma à outra: a solidão curando nosso horror à multidão, e a multidão curando nossa aversão à solidão." (Sêneca, Da tranquilidade da alma )

A apatia estóica como meio de se alcançar a ataraxia

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O estoicismo, escola filosófica grega surgida no helenismo, afirmava que o objetivo do viver é a obtenção da felicidade. Mas, para ser feliz, o homem deve viver segundo a sua natureza .  Para definir a natureza humana, os estóicos observaram que todo ser vivo apresenta a tendência de “conservar a si mesmo, de ‘apropriar-se’ do próprio ser e de tudo quanto é capaz de conservá-lo, de evitar aquilo que lhe é contrário e de ‘conciliar-se’ consigo mesmo e com as coisas que são conformes à própria essência”. No homem, essa tendência se encontra na razão, no viver “conciliando-se” com o próprio ser racional, conservando-o e atualizando-o plenamente (REALE;ANTISERI, 2007). Dizendo de outra maneira, a natureza do homem é a razão, e para ser feliz, o homem deve viver de acordo com ela. Dessa forma, tudo o que não é racional leva à infelicidade, chegando a ser até mesmo antiético. Para viver de acordo com a razão, o homem deve livrar-se de suas paixões, deve ser insensível tanto ao praz...

As três espécies de amizade em Aristóteles

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Nos livros VIII e IX de sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles discorre, com sua característica sistematicidade , sobre a natureza da amizade. Sendo este um tratado de ética, a discussão sobre a amizade se faz necessária, pois ela é, segundo o estagirita, ou uma virtude ou implica virtude, e é, além disso, extremamente necessária à vida. “Com efeito”, afirma o filósofo, “ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que dispusesse de todos os outros bens, e até mesmo pensamos que os ricos, os que ocupam altos cargos, e os que detêm o poder são os que mais precisam de amigos; de fato, de que serviria tanta prosperidade sem a oportunidade de fazer o bem, se este se manifesta sobretudo e em sua mais louvável forma em relação aos amigos?” As três espécies de amizade As amizades podem ser classificadas, conforme o discípulo de Platão, em três tipos distintos. Essas espécies de amizade fazem referência às qualidades que as fundamentam. Elas são: 1) a amizade segundo o prazer, 2) a amizade ...

Introdução aos filósofos pré-socráticos

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A filosofia, tal como a conhecemos no ocidente, é uma criação grega. Apesar de encontramos tentativas de explicações racionais da realidade também em outras culturas da antiguidade, o pensamento grego, a partir do século VI a.C., se caracteriza pela tentativa do uso exclusivo da razão, sem recorrência a mitos, deuses ou ao sobrenatural. Por essa razão, considera-se a filosofia como uma criação grega. Os primeiros filósofos gregos são chamados de pré-socráticos, distinção que se aplica pelo fato de terem vivido antes (ou contemporaneamente a) de Sócrates. O projeto filosófico comum a praticamente todos eles era a busca da arkhé , isso é, a substância fundamental de que é formada a realidade. Tales é considerado o primeiro filósofo e pai da filosofia. Oriundo de Mileto, na Jônia, foi responsável pelo início da filosofia da physis (“natureza”, entendida na língua grega em um sentido bem mais amplo do que na nossa concepção de natureza). Ele foi responsável pela previsão de um ec...