Os tipos de desejos em Epicuro
Epicuro nasceu em 341 a.C. na ilha de Samos, na Grécia, e morreu em 271, em Atenas, cidade na qual ele fundou sua escola de filosofia que ficava, na verdade em sua casa. Em sua casa havia um jardim, e por isso ele é chamado de “filósofo do jardim”. Ele era um filósofo mais modesto: não tinha uma grande Academia, como Platão, um Liceu, como Aristóteles. Este jardim era como uma horta, e ele se reunia com seus discípulos mais como amigos do que como alunos, e por isso ele era chamado também de jardim da amizade, ou dos prazeres.
O filósofo do jardim estava interessado, sobretudo, no tema da vida beata, feliz, mas não apenas nisso: escreveu mais de trezentos tratados. Seu Tratado da natureza, por exemplo, continha trinta e sete livros, e falava sobre os átomos e o vácuo. Seu conceito de filosofia é inseparável da intenção de evitar ao homem todo o sofrimento possível. Por isso ele afirma que “Todo desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira filosofia.” (Epicuro, “Antologia”, col. “Os Pensadores”)
Para Epicuro, é vazio o discurso filosófico que não cura nenhum sofrimento. Assim como a medicina é inútil quando não cura o corpo, da mesma forma é inútil a filosofia que não cura o sofrimento da alma. Em suas palavras: “Assim como realmente a medicina em nada beneficia, se não liberta dos males do corpo, assim também sucede com a filosofia, se não liberta das paixões da alma.” (Epicuro, “Antologia”, col. “Os Pensadores”)
O período helenístico
Quando Sócrates, Platão e Aristóteles exerceram suas atividades, Atenas já passava por crises políticas, até que Atenas foi conquistada pelos macedônios sob o comando do rei Felipe, pai de Alexandre, o Grande.
A perda da liberdade, para os gregos, trouxe reflexos também para a filosofia, de modo que não havia mais espaço para pensar a política nos moldes de Platão, por exemplo, e a reflexão se volta para o indivíduo.
Diante da impossibilidade de mudar o status quo, a única saída é o refúgio para o interior do homem ou para a ciência, e neste contexto surgem escolas filosóficas que se preocupam mais em garantir a paz interior, em alcançar a imperturbabilidade da alma independente de quaisquer circunstâncias externas, do que preocupadas em transformar a realidade. Epicuro é um filósofo deste período, e sua reflexão sobre o desejo deve ser compreendida neste contexto.
Os três tipos de desejos
O objetivo da filosofia, para Epicuro, era alcançar o que ele denominava de sumo bem. Este seria um estado de tranquilidade interior, de imperturbabilidade da alma, semelhante ao que os estoicos chamavam de ataraxia. As reflexões de Epicuro o levam a identificar a ataraxia ao prazer, e por isso ele foi mal interpretado como um hedonista, mas há uma grande incompreensão sobre o conteúdo do hedonismo de Epicuro.
O hedonismo é a doutrina de que a busca do prazer é o critério da moral e também o objetivo de toda ação humana. Para Epicuro, no entanto, este prazer deve ser contido, caso contrário resultará em dor. Epicuro observou e distinguiu os desejos humanos em três categorias: 1) desejos naturais e necessários, 2) desejos naturais, mas não necessários, e 3) desejos não naturais e não necessários.
No primeiro grupo ele classificou os desejos ligados à conservação da vida do indivíduo. Estes seriam os únicos válidos, pois subtraem a dor do corpo. Exemplos seriam comer quando se está com fome, beber quando se está com sede, repousar quando se está cansado, etc.
No segundo grupo se enquadram os desejos oriundos de variações supérfluas dos prazeres naturais: comer bem, beber bebidas refinadas, vestir-se com luxo, etc. Precisamos comer e beber para sobreviver, mas para isso não é necessário comer bem ou beber bebidas refinadas.
No terceiro grupo estão os desejos "vãos", nascidos das "vãs opiniões dos homens", que são os desejos ligados à obtenção de riqueza, poder, honras, etc.
Para o filósofo do jardim, somente os desejos e prazeres do primeiro grupo são sempre plenamente satisfeitos, pois têm por natureza um limite preciso que consiste na eliminação da dor. Uma vez que essa foi eliminada, o prazer não cresce mais, ou seja, não conduz ao vício.
Os do segundo grupo já não têm esse limite, e por isso podem provocar danos, assim como os do terceiro, que ainda por cima produzem perturbações na alma. Estes últimos são os piores, pois não conhecem limites naturais. Se alguém deseja riqueza ou poder, não importa o quanto tenha, sempre buscará mais. Estes desejos não são naturais aos seres humanos, mas são inculcados pela sociedade e por falsas crenças sobre o que realmente precisamos.
O epicurismo defendia, por essa razão, que a riqueza está inteira no pão, na água e num abrigo qualquer para o corpo, pois a riqueza supérflua traz para a alma uma ilimitada aspiração de desejos, o que será causa de dor e perturbação.
Por isso ele também afirma: “Encontro-me cheio de prazer corpóreo quando vivo a pão e água e cuspo sobre os prazeres da luxúria, não por si próprios, mas pelos inconvenientes que os acompanham.” Em uma tradução alternativa lemos: “Meu corpo estreme de prazer quando tenho pão e água.”
Esta passagem mostra em que consiste o hedonismo de Epicuro: uma busca pelo prazer, mas dentro de limites bem estreitos, para que não se transforme em dor.
Glauber Ataide