Os tipos de ateísmo, ou as variedades da descrença

Édipo mata seu pai (Joseph Blanc, Le meurtre de Laïus, 1867)


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O ateísmo é popularmente compreendido como uma mera falta de crença em Deus. Esta definição, embora capte algo algo de verdadeiro, peca por sua amplitude e pouca utilidade. Definir significa delimitar, e quanto mais ampla uma definição, tanto pior.

O ateísmo é apenas uma das formas de descrença em Deus. Cada uma dessas, por sua vez, possui ainda  mais subclassificações, de tal modo que é possível ser um descrente sem ser um ateu. Pode ser o caso de um indivíduo não crer em Deus, por exemplo, pelo fato de ser agnóstico.

A descrença inclui, de forma geral, as seguintes modalidades:

1) Suspensão agnóstica da crença de que Deus existe ou não existe. É a posição de que a razão não é capaz de decidir sobre este assunto, resultado, por exemplo, da crítica kantiana. Em sua Crítica da razão pura, Immanuel Kant demonstrou por que os argumentos favor da existência de Deus não funcionam, e também por qual motivo nossa razão é levada a postular a existência de um absoluto incondicionado. O resultado de sua crítica é uma incapacidade de decidir através da pura razão.

2) Ateísmo (descrença aberta), o qual pode ser dividido em: 2.1) ateísmo positivo, que é uma descrença ativa em Deus, e 2.2) ateísmo negativo, que se configura como uma ausência da crença em Deus. Todos os ateus positivos são também negativos, mas o contrário não é verdadeiro.

Os ateísmos positivo e negativo podem ser divididos em: i) militante, o qual tende a pensar que a crença em Deus é não apenas falsa, mas também nociva, e ii) moderado, o qual afirma que a crença em Deus é injustificada, mas não vê nela algo nocivo e tolera as religiões.

3) Tanto o ateísmo quanto o agnosticismo podem ser: a) prático, isso é, não refletido, ou b) filosófico (refletido), intelectualizado. 

Os ateus filosóficos têm grande apreço pela razão, afirmando que a crença em Deus deve ser racionalmente justificada. Eles não aceitam que a crença em Deus seja a posição default, ou padrão sobre o assunto, e exigem evidências para crer.

Por outro lado, há vários ateus que não possuem nenhuma justificativa racional para sua descrença, assim como a maioria dos crentes também não é capaz de justificar sua fé através da razão. Nestes casos, as explicações de Freud podem ajudar a compreender os motivos psicológicos mais profundos tanto da fé (clique aqui e também aqui) quanto do ateísmo (clique aqui).

Freud afirma que a crença em Deus é resultado do desamparo infantil. Quando nos vemos indefesos diante do mundo, da natureza e da morte, buscamos a proteção de um pai divino, assim como fizemos em nossa infância em relação aos nossos cuidadores.

Este mesmo complexo de Édipo, por outro lado, seria também a causa psicológica de ateísmo em certos indivíduos. O desejo de matar o pai terreno é deslocado para a esfera da religião, eliminando ali a figura de Deus, o pai divino.

O ateísmo vem crescendo em diversos países, principalmente na Europa. O que os números não mostram, porém, é o número de ateus práticos ou inconfessos: aqueles que nominalmente pertencem a alguma religião ou afirmam crer em algo, mas cuja crença não tem efeito algum sobre suas vidas cotidianas. 

Esta é uma questão discutida desde pelo menos Ludwig Feuerbach no século XIX, que afirmava que os ateus práticos - nominalmente religiosos - se incomodam apenas com o ateísmo filosófico, teórico, mas que eles próprios vivem o ateísmo em suas vidas. Confessam Deus em palavras, mas o negam em seus atos. O ateu prático é aquele indivíduo - religioso ou não - para o qual a existência de Deus não faz diferença alguma nas ações de seu dia-a-dia.

Referência

WALTERS, Kerry: Atheism: a guide for the perplexed. London: Bloomsbury Publishing, 2010.

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