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Mostrando postagens de abril, 2011

Bernard Williams e os problemas da moral religiosa

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Uma das principais dificuldades da discussão moral hoje, no contexto de um mundo relativista, líquido, pós-moderno, reside no problema da fundamentação da moral. Se uma moral é fundamentada numa religião particular, mas um outro grupo não compartilha dessa crença, essa doutrina não tem nenhuma força sobre essa outra comunidade. As doutrinas morais religiosas, portanto, não possuem um caráter tão "absoluto" quanto seus adeptos julgam ter, neste aspecto. Vemos isso na prática em discussões sobre o aborto. Pessoas religiosas, por comungarem de determinadas concepções sobre o tema, conflitam-se na arena pública com diversos outros setores da sociedade que não compartilham dessas crenças oriundas de seus livros sagrados. Se podemos fazer uma categorização ampla e simplificada das diversas perspectivas morais, os dois principais grupos seriam 1) daquelas doutrinas que recorrem a livros sagrados como fundamento, e 2) daquelas que não inserem Deus na discussão, buscando fun...

Sonhos com pessoas falecidas

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Poucos dias após o falecimento de meu pai tive o seguinte sonho: Meu pai se levantava de seu túmulo e, ainda sentado, se limpava por causa da terra que estava por cima dele. A razão dele estar se levantando é que um de meus primos tinha chegado atrasado e não teve tempo de vê-lo antes de ser enterrado. Tive este sonho em 2003, mas somente por volta de 2011, quando já estudava psicanálise, é que consegui extrair dele algum significado. A interpretação então me pareceu bastante clara. É que quando meu pai faleceu, este meu primo não foi ao enterro porque estava viajando. O sonho então representa uma cena que não aconteceu: meu primo chegando ao enterro, mas atrasado. Isso foi razão suficiente para traduzir o seguinte pensamento latente: "Meu pai não pode ir embora sem se despedir de todos antes. Ele tem que voltar pelo menos para se despedir." Além disso, há ainda um associação entre meu primo e eu mesmo. No dia em que meu pai faleceu era eu quem estava ...

Freud e os atos falhos: a psicopatologia da vida cotidiana

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As parapraxias, ou atos falhos ( Fehlleistungen ), são manifestações de intenções perturbadoras do inconsciente em nossa atividade consciente. Ocorrem geralmente para evitar o desprazer, e são sempre sintomas de algum tipo de conflito psíquico, atuando como uma espécie de compromisso. De certo modo, podemos dizer que um ato falho é também um ato bem-sucedido, pois é quando um desejo inconsciente consegue alcançar seu objetivo de forma manifesta. No original alemão, cada ato falho é um verbo que começa com o prefixo “ver”: Versprechen, Verschreiben, Verlesen, Verhören, Vergessen, Verlegen, Verlieren . Este prefixo costuma indicar um erro na execução da ação, e embora isso não seja evidente em outros idiomas, é muito claro na língua alemã. Todos estes fenômenos devem ser considerados como tendo algum significado psíquico apenas quando não há um distúrbio físico ou neurológico envolvido. O estudo dos atos falhos parece ser algo de menor importância. Afinal de contas, por que razão uma...

O idiota, de Dostoievski, e Policarpo Quaresma, de Lima Barreto

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Este artigo, de autoria do jornalista Renato Pompeu , faz uma comparação entre dois protagonistas de dois dos meus livros favoritos: o príncipe Michhkin, do livro "O idiota", de Dostoievski, e Policarpo Quaresma, do livro "O triste fim de Policarpo Quaresma", de Lima Barreto. “Policarpo” seria um “Idiota”? Renato Pompeu Quis o acaso que os palcos paulistanos reunissem os romances “O Idiota”, do russo Fiodor Dostoievski (Fiodor é a forma russa de Teodoro), escrito em 1867-69, e “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, do carioca Lima Barreto, publicado quase meio século depois, em 1911. Mas o mais estranho é que os dois heróis, o “idiota” príncipe Michhkin e o “patriota” Quaresma têm muito em comum. A ponto que serviria para o romance russo a epígrafe do romance brasileiro: “O grande inconveniente da vida real e que a torna insuportável para o homem superior é que, se para ela são transportados os princípios do ideal, as qualidades se tornam defeitos, tanto que muito freq...

Impunidade é a maior causa da violência?

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Quem já conversou com brucutus fascistas sabe que é muito difícil fazê-los entender coisas simples, básicas, elementares. O fascismo se caracteriza pelo irracional. Hoje, ao ouvir na TV a afirmação de que "a impunidade é a maior causa da violência", me ocorreu desenhar o esquema abaixo, tornando assim mais fácil à "elite intelectual brasileira" (a classe média se considera assim) compreender por que a proposta marxista para acabar com a violência faz mais sentido que a deles. (Eu acredito na educação, sou incorrigível nisso. Chego a ponto de acreditar que alguns poucos fascistas são recuperáveis.) Reparem que enquanto o fascista quer acabar com a violência matando o pobre, os comunistas querem fazê-lo acabando com a pobreza. E por último, vejam que a lógica não é o forte dos arianos tupiniquins: eles não atacam a causa do problema, mas tentam reforçar seu efeito, pensando que assim o ciclo será interrompido. Já disse que eles são uns brucutus, não? ...

Auxílio-reclusão: você já recebeu este e-mail?

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Escrevo isso porque já recebi este e-mail pelo menos cinco vezes. Seu autor, provavelmente um fascistóide pseudo-revoltado-médio-classista-pequeno-burguês, esbraveja por a Previdência Social oferecer o chamado "Auxílio-reclusão" para os dependentes do segurado em situação de reclusão. Tanto o autor quanto os forwarders dessa idiotice até hoje não devem ter tido tempo de ler o link que eles próprios nos repassam, e por isso ainda não perceberam que isso se trata de um seguro como qualquer outro, e nada mais. E tenho certeza que eles também não reclamam de nenhum outro tipo de seguro, como aqueles privados que eles próprios contratam. Se num seguro de vida privado uma pessoa paga todo mês determinado valor e, em que caso de óbito, seus familiares recebem a quantia estipulada no contrato, com o auxílio-reclusão da Previdência acontece algo semelhante, pois ele é um seguro . O segurado, que só pode ser um trabalhador , paga sua contribuição todos os meses e, caso aconteça d...