"Mas o mundo é assim mesmo!"

Essa é uma das frases mais imbecis que alguém pode ser capaz de dizer. Geralmente ela aparece como interpelação diante da exposição que alguém faz de determinada situação da realidade social.

Exemplo: alguém afirma que a classe rica do país tem aumentado os seus lucros de forma cafajeste e exorbitante, enquanto que a maioria da população tem dificuldade de garantir direitos básicos como alimentação, moradia e educação.

Então um idiota diz: "Mas o mundo é assim mesmo!".

Isso é imbecil, em primeiro lugar, porque se a pessoa tem a intenção de confirmar que a leitura que se está fazendo da realidade é correta, ficar calado ou apenas acenar positivamente com a cabeça daria o mesmo resultado.

Isso é imbecil, em segundo lugar, porque é expressão de uma concepção fatalista da História. Se o mundo "é" assim mesmo, então isso significa que somos apenas objeto da História, não os seus agentes.

Uma concepção fatalista da História é como aquela das tragédias gregas. Um oráculo é anunciado, o herói tenta fugir do destino mas ele sempre é cumprido no final das contas. É como o mito do Rei Édipo.

O oráculo dizia que Édipo mataria seu pai e se casaria com sua mãe. Logo ao nascer ele é abandonado numa floresta, pois a pessoa encarregada de o matar não teve coragem para isso. Um homem o encontra e o leva para criar. Tudo isso acontece para evitar que o oráculo se cumprisse. Mas no final nada disso adiantou. Ele acaba matando seu pai, se casando com sua mãe e ainda teve filhos com ela. Esse era o seu Destino.

Pessoas que afirmam que "o mundo é assim" têm essa mesma concepção fatalista da História. Pensam haver um plano cósmico que traçou o destino de todos os seres humanos, e assim justificam toda situação de miséria e exploração no mundo.

Mas em sua "Pedagogia da autonomia", Paulo Freire nos adverte que não somos apenas objeto da História mas seus sujeitos igualmente. E mais à frente, diz a esses fatalistas reacionários que querem manter essa ordem social de exploração:

"O mundo não é. O mundo está sendo."

Somos nós que construímos a História. O mundo em que vivemos foi construído por gerações passadas. Ele não é um mundo "dado", um mundo que "sempre esteve aí" e que não pode ser alterado.

Para finalizar, deixo um trecho desta mesma obra de Paulo Freire, em que ele comenta sobre um episódio de que todos devemos nos lembrar, pois teve ampla exposição midiática na época. Foi quando uma família, em Recife, ficou intoxicada após comer restos de um seio humano encontrado em um lixão (contendo lixo hospitalar), no qual procuravam sua sobrevivência:

"É possível que a notícia tenha provocado em pragmáticos neoliberais sua reação habitual e fatalista sempre em favor dos poderosos. 'É triste, mas, que fazer? A realidade é mesmo esta.' A realidade, porém, não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia ser outra e é para que seja outra é que precisamos, os progressistas, lutar. Eu me sentiria mais do que triste, desolado e sem achar sentido para minha presença no mundo, se fortes e indestrutíveis razões me convencessem de que a existência humana se dá no domínio da determinação. Domínio em que dificilmente se poderia falar de opções, de decisão, de liberdade, de ética."

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  1. .
    O homem faz a historia, mas a história também faz o homem, o homem é livre no espírito para escolher, mas também escolhe por pressões interiores e exteriores do seu ser. Tanto o existencialismo da liberdade como o naturalismo das necessidades é verdade.

    Quem fez Hitler e lula e tontos outros, eles mesmos ou o povo e a historia?

    Creio que eles sabiam que a historia estava dando para eles uma oportunidade única e imperdível. Ou seja, a liberdade individual e a fatalidade histórica trabalharam juntas.

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  2. Olá, Gresder.

    É correta essa visão dialética da história - o homem faz a história, mas a história também faz o homem.

    Mas o essencial para uma compreensão verdadeiramente dialética é o fato de que

    "...o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que todos os homens devem estar em condições de viver para poder 'fazer história'. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter moradia, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam que haja a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material." (MARX, ENGELS, 2005, p. 53)

    Veja bem o final da última frase: "a 'história dos homens' deve ser estudada e elaborada sempre em conexão com a história da indústria e do intercâmbio." Por essa razão,

    "A produção de idéias, de representações e da consciência está, no princípio, diretamente vinculada à atividade material e o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio espiritual entre os homens, aparecem aqui como emanação direta do seu comportamento material. O mesmo ocorre com a produção espiritual, tal como aparece na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc, de um povo." (Ibid., p. 51)

    Disso ele conclui que "não é a consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência." (Ibid., p. 52)

    Enfim, devemos estar atentos para o fato de que muito do que poderíamos considerar como "liberdade" de pensamento a partir de outras leituras históricas não-dialéticas, são apenas manifestações do atual modo de produção que encontram expressão na consciência dos homens.

    P.S.: Vários trechos acima foram extraídos de uma outra postagem deste blog:

    http://glauberataide.blogspot.com/2009/08/um-pouco-sobre-o-conceito-de-ideologia.html


    []s,
    Glauber

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  3. Só corrigindo:

    * Disso se conclui que "não é a consciência que determina a vida, mas a vida é que determina a consciência." (Ibid., p. 52)

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