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Mostrando postagens de junho, 2018

"Contra fatos não há argumentos": refutando a falácia com Hegel

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Dizer que "contra fatos não há argumentos" parece ser uma afirmação devastadora. Quem usa este clichê geralmente pretende encerrar a discussão como seu vencedor inconteste. A ideia é que  uma referência à "realidade" seria capaz de provar a validade do que se está debatendo, pondo fim a meras e frágeis especulações teóricas. Este recurso tem alguma força, contudo, apenas em um debate entre "consciências ingênuas", como afirmava o filósofo alemão George Wilhelm Friedrich Hegel. Seus leitores sabem que os "fatos", na verdade, não são tão "fatos" assim. Afirmar que "contra fatos não há argumentos" pressupõe que é possível ter acesso direto à realidade, de forma imediata (sem mediações). Este nível de consciência é tão elementar que, em sua Fenomenologia do Espírito , obra que descreve a "experiência da consciência" em sucessivos estágios, Hegel lhe coloca logo no primeiro capítulo. Pensar que é possível ac...

A filosofia serve para entristecer

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Quando alguém pergunta "para que serve a filosofia?", a resposta tem que ser agressiva, pois a questão pretende ser irônica e cáustica. A filosofia não serve ao Estado ou à Igreja, que têm outras preocupações. Ela não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece ninguém, que não incomoda ninguém, não é uma filosofia. Ela serve para causar dano à estupidez, para transformar a estupidez em algo vergonhoso*. Sua única utilidade é expor todas as baixezas de pensamento. Há alguma disciplina, fora a filosofia, que se propõe a criticar todas as mistificações, sejam quais forem suas fontes e objetivos, para expor todas as ficções sem as quais as forças reativas não prevaleceriam? Expor como mistificação a mistura de baixeza e estupidez que cria a surpreendente cumplicidade entre vítimas e criminosos. Finalmente, tornando o pensamento em algo agressivo, ativo e afirmativo. Criar homens livres, isso é, homens que não confund...

O orgasmo é uma pequena morte

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Encontrei a expressão alemã "Der kleine Tod" em uma letra de música. Sua tradução literal é "a pequena morte", e percebi que seu uso ali se referia à experiência do orgasmo. Out of curiosity , quis saber se a estranha correlação já existia ou se havia sido identificada pelos músicos. Descobri que sua conotação sexual vem desde 1882, mas que já se tinha registro de seu uso em 1572. A relação entre "morte" e "orgasmo" se dá no fato de que uma "kleine Tod" (ou "petite mort", no francês) é uma breve perda ou enfraquecimento da consciência, que é a sensação que se tem durante o orgasmo e nos instantes seguintes. É como se ao gozar o indivíduo morresse, "fosse ao céu", experimentasse a beatitude e depois retornasse à vida. Neste interessante texto , o autor argumenta que a equivalência dos termos "morte" e "orgasmo" clarifica até mesmo a noção cristã de Eternidade. "Ir para o céu", par...

O anticristo, de Nietzsche - um breve resumo

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O anticristo , de Friedrich Nietzsche, é uma das obras mais polêmicas e provocativas da história da filosofia. Redigido no verão e outono de 1888, com o filósofo já afetado pela doença que o levaria à morte, o texto teve sua primeira impressão em 1895, com o subtítulo  Versuch einer Kritik des Christenthums (" Tentativa de uma crítica do cristianismo") . Segundo Walter A. Kaufmann, após completar  Crepúsculo dos ídolos , Nietzsche abandonou os planos de escrever uma obra  intitulada Vontade de potência , decidindo por escrever um livro dividido em quatro partes, chamado  Revaloração de todos os valores . A primeira parte foi concluída e recebeu o nome de O anticristo . O título  Der Antichrist  é ambíguo, pois o termo "Christ", em alemão, significa tanto "Cristo" quanto "cristão". Num primeiro momento, "Antichrist" evoca a idéia do anticristo do Apocalipse, alcançando o objetivo de Nietzsche de ser tão provocativo quanto possí...