Um ponto de vista sobre o aborto

Ser lacônico em uma discussão sobre o aborto é correr sério risco de parecer superficial e incompleto. Mesmo assim, gostaria de expor brevemente algumas considerações de um ponto de vista que considero razoável no debate.

Em primeiro lugar, de forma simples e direta, o aborto pode ser definido como a interrupção da vida de um ser vivo através de sua expulsão extemporânea do útero. E disso segue-se uma pergunta ontológica crucial: mas de que tipo de ser é a vida tirada no ato do aborto humano?

É retirada a vida de um embrião, responderiam corretamente alguns. Mas às vezes há uma confusão sobre o que é um embrião. Parece-se compreendê-lo, em algumas oportunidades, como um tipo de ser que viria a se transformar em um humano se seu desenvolvimento fosse continuado. Mas isso me parece um erro.

Para desfazer essa incompreensão (que se deve também à linguagem), seria melhor usar a expressão "fase embrionária" no lugar de "embrião". Assim, podemos ver com mais clareza que um embrião é um ser de uma determinada espécie que se encontra numa fase de crescimento específica, chamada de "embrionária". Assim como os humanos, por exemplo, passam pelas fases da infância, da adolescência, etc, eles também passam por uma fase de desenvolvimento chamada embrionária. Outros seres vivos também possuem fase embrionária. Todo coelho, gato ou cachorro um dia foi um embrião.

Se dizemos "ali está uma criança", todos entendem que nos referimos a um ser humano em uma determinada fase de desenvolvimento. Mas se dizemos "ali está um embrião", aí já surge a dúvida sobre do que estamos falando. Assim, cabe esclarecer que um embrião humano é um ser humano em um determinado estágio de desenvolvimento, e não alguma outra coisa diferente de um ser humano, mesmo que diversas de suas potencialidades ainda não tenham passado dessa potência ao ato.

Disso segue-se que o aborto humano é a interrupção de uma vida humana que se encontra em uma determinada fase de desenvolvimento. Ora, mas se é possível perpetrar o aborto, poderia a máxima subjacente a esse ato ser aplicada a outros seres humanos em outras fases de desenvolvimento? Isso é, se podemos matar um ser humano em fase embrionária, poderíamos também matar humanos na infância? Poderíamos também matar seres humanos na adolescência, caso eles sejam indesejáveis à mãe? Se sim ou não, por qual razão?

Os argumentos de que a mãe pode fazer o que quiser com um ser humano em fase embrionária simplesmente porque ele se encontra geograficamente localizado em seu ventre carecem de fundamentação e esclarecimento. Há de fato diversas ocasiões em que o aborto é necessário, principalmente nos clássicos casos em que a gravidez enseja risco de vida ou para a mãe ou para o filho. Mas note que nessas oportunidades a escolha é entre salvar uma vida ou perder duas. O aborto cuja única justificativa é o "desejo" da mãe não me parece racional ou sensato. Ninguém é permitido a fazer tudo que deseja, e eu não vejo razão para que o "desejo" da mãe seja árbitro nesses casos.

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  1. Um argumento muito usado, como você bem mencionou, é o de que a mãe tem direito sobre seu corpo para fazer com ele o que lhe apraz.

    Porém, este argumento não é verdadeiro. Se você sair na rua e começar a se esfaquear, policiais serão acionados e você será obrigado a parar com isso (seja esta sua vontade ou não). O suicídio é outro exemplo: mesmo a vida pertencendo ao sujeito, a lei brasileira não permite que a pessoa se mate.

    Seu texto é muito interessante. Gostaria de saber sua opinião sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias.

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  2. Excelente distinção entre fase embrionária e embrião humano. Parece-me correto vossa separação semântica do problema.
    Marcus.

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  3. Gostei muito da percepção de relçaõa que nos dá dá o autor sobre "embrião" e "fase embrionária" e acrescento uma frase que escrevi sobre o assunto: A PRÁTICA DO ABORTO CONSISTE EM MATAR ALGUÉM, DENTRO DE QUEM, HÁ MUITO TEMPO ESTÁ MORTO.
    Silas da Fonseca

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  4. Adorei a explicação! Faz todo sentido!
    Vou usar suas palavras qndo me perguntarem sobre isso! Dou-lhe o crédito, pode deixar!

    Muita boa sorte!

    Bruna Geovanini Varniër

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