Haveria uma explicação psicológica para casos de possessão demoníaca e pactos com o diabo? É o que investiga Sigmund Freud em seu artigo Eine Teufelsneurose im siebzehnten Jahrhundert (“Uma neurose demoníaca no século XVII”, em tradução livre). Neste breve texto de 1923, o pai da psicanálise analisa eventos ocorridos no século XVII com um pintor chamado Christoph Haitzmann, o qual assinou dois pactos com o diabo, afirmou tê-lo visto várias vezes e também foi possuído por ele. Devido à distância temporal, a análise obviamente não foi realizada diretamente na prática clínica, mas através de documentos históricos que transmitiram os acontecimentos, de maneira semelhante como Freud já havia realizado com o famoso caso Schreber.
Veremos que algumas das características deste caso encontram aplicação universal. Não obstante diversos aspectos da neurose deste pintor serem específicas de sua situação, há outros que podem nos ajudar a compreender a possessão demoníaca e os casos de exorcismo de forma geral, tais como os encontramos principalmente em comunidades mais pobres e com forte presença de igrejas neopentecostais.
As neuroses da infância, segundo Freud, apresentam muito claramente aquilo que só se enxerga com mais dificuldade mais tarde. Tal expectativa acontece também com as doenças neuróticas dos séculos anteriores, as quais se manifestavam naquele período em roupagens demonológicas. Até mesmo o mestre Charcot, com quem Freud estudou na França, já havia identificado que a possessão demoníaca e o arrebatamento místico eram formas de exteriorização da histeria.
A possessão demoníaca da idade média corresponde às neuroses modernas. Podemos dizer que os demônios são os nossos desejos maus, depravados, derivativos de pulsões reprimidas. Hoje em dia simplesmente rejeitamos a projeção dessas pulsões ao mundo exterior, mas na idade média elas eram exteriorizadas e tomavam a forma de seres espirituais.
A história do pintor Christoph Haitzmann
Em 5 de setembro de 1677 o pintor Christoph Haitzmann foi trazido ao mosteiro de Mariazell. Ele era da Baviera, e chegou com uma carta de recomendação do padre de Pottenbrunn. Ele havia exercido sua profissão de pintor por vários meses naquela cidade, mas no dia 29 de agosto foi acometido por convulsões terríveis na igreja. Como este fato se repetiu nos dias seguintes, ele foi examinado pelo superior de Pottenbrunn, o qual lhe perguntou se por acaso ele havia tido algum tipo de contato com o diabo. Ele confirmou dizendo que nove anos antes, em um período de desânimo com sua arte e em dúvidas sobre sua capacidade de conseguir seus meios de vida, ele se entregou ao diabo através de um pacto escrito. No texto ele afirmava que se entregaria de corpo e alma ao fim do período que correspondia então ao dia 24 do mês em que ele teve tais convulsões. Haitzmann se arrependeu e estava convencido de que apenas a misericórdia da mãe de Deus poderia lhe salvar, obrigando o diabo a renunciar ao contrato escrito com sangue.
No dia 8 de setembro - dia do nascimento de Maria -, após ter jejuado e orado, Haitzmann recebeu a visita do diabo à meia-noite, o qual lhe apareceu em forma de dragão e lhe devolveu o pacto escrito com sangue. Mais à frente mencionaremos sobre os dois pactos que ele fez com o diabo: o primeiro, escrito com tinta preta, e este segundo, escrito com sangue.
Neste momento poderíamos nos perguntar pela credibilidade do relato. Não seria tudo isso produto da superstição religiosa? É mencionado que vários clérigos estavam juntos ao exorcizado e lhe prestaram auxílio. Se fosse afirmado que vários deles também viram também o dragão, então nos depararíamos com algumas possibilidades desagradáveis, sendo a de alucinação coletiva a menor delas. Em nenhum lugar do relato, no entanto, é afirmado que os padres de fato viram o diabo. O relato diz apenas que o pintor se livrou dos clérigos, foi a um canto da capela onde ele dizia estar vendo o opositor e que voltou de lá com o contrato na mão.
A vitória de Santa Maria sobre Satã foi indubitável, mas não duradoura. O pintor deixou Mariazell depois de alguns dias se sentindo muito bem, e foi morar com uma de suas irmãs casadas em Viena. A partir do dia 11 de outubro ele começou a ter outros ataques graves, descritos em seu diário até o dia 13 de janeiro. Ele tinha visões, arrebatamentos nos quais ele via e vivenciava a multiplicidade das coisas, convulsões e sensações dolorosas, paralisia nas pernas e coisas semelhantes. Quem o afligia dessa vez, no entanto, não era o diabo, mas figuras santas que o visitavam, tais como Jesus e Maria. O curioso é que essas aparições celestiais não lhe causavam menos sofrimento do que as demoníacas, de modo que ele teve que retornar a Mariazell em maio de 1678.
No relato é apontado que o motivo do retorno do pintor é que, além do pacto escrito com sangue, havia um anterior escrito com tinta. Mais uma vez ele foi ajudado pela Santa Maria, mas o texto não diz como isso aconteceu: ele apenas pediu novamente, e o contrato lhe foi devolvido. Então ele se sentiu livre, recuperado, e entrou na ordem religiosa desses irmãos.
O compilador não deixa de mencionar algo que nos é importante para compreender a doença do pintor. Ele afirma que Haitzmann foi tentando diversas vezes pelo diabo para refazer o pacto, mas que isso geralmente só acontecia quando “ele tinha bebido muito vinho”, e que o irmão Crisóstomo, pela misericórdia de Deus, havia vencido todas estas ofertas demoníacas.
O motivo do pacto com o diabo
Se quisermos compreender este pacto com o diabo como uma neurose, nosso interesse deve se voltar primeiramente para os seus motivos. Por que alguém faz um pacto com o diabo? Dr. Fausto, na obra homônima de Goethe, pergunta de maneira desdenhosa: “o que você quer dar, pobre diabo?”, como se Satanás não tivesse nada a oferecer ao ser humano enquanto criatura espiritual. Mas ele não tem razão, pois o diabo oferece como recompensa pela alma imortal tudo o que o ser humano mais valoriza: riqueza, segurança diante dos perigos, poder sobre os homens, artes mágicas e, acima de tudo, prazer com mulheres bonitas. Estes serviços ou obrigações do diabo são de se esperar em qualquer pacto em troca da alma, mas o curioso é que nenhum destes desejos naturais aparecem no contrato do pintor, o qual até mesmo rejeitava coisas como dinheiro, prazeres ou artes mágicas. É necessário descobrir o que o pintor de fato queria do diabo.
O relato traz algumas informações que podem ajudar a esclarecer este ponto. Haitzmann passou por um período de grande dificuldades, no qual ele não podia ou pelo menos não queria trabalhar, e tinha grandes preocupações com seus custos de vida e a manutenção de sua existência, de modo a manifestar uma depressão melancólica com incapacidade de trabalho. Isso nos mostra que aqui realmente se trata da história de uma doença, assim como aquilo que a desencadeou. O próprio pintor escreveu, em uma observação a um de seus desenhos do diabo, que ele deveria “se divertir com isso, e expulsar a melancolia”.
O fator principal que desencadeou sua melancolia foi a morte de seu pai. Foi em seu período de luto que o diabo se aproximou e lhe perguntou por que ele estava tão abatido e triste, e prometeu lhe ajudar de todas as formas possíveis. Este é um motivo plausível, pois é razoável que alguém faça um pacto com o diabo para se livrar de uma depressão ou outra forma de sofrimento.
A redação deste pacto, no entanto, traz duas características surpreendentes. Em primeiro lugar, não é mencionado em parte alguma uma obrigação por parte do diabo, mas apenas uma exigência que o pintor deveria cumprir. É totalmente ilógico e absurdo que alguém entregue sua alma ao diabo sem ter nada em troca. Ainda mais surpreendente, no entanto, é a obrigação por parte do pintor. A primeira, escrita com tinta preta, afirma apenas o seguinte: “Eu, Christoph Haitzmann, me subscrevo a este senhor como seu filho e propriedade pelo período de nove anos. 1669.” O segundo, escrito com sangue, afirma: “Ano 1669. Christoph Haitzmann. Eu me submeto a Satã para ser seu filho e servo, e daqui a nove anos meu corpo e alma lhe pertencem.”
Tudo fica claro, todavia, quando compreendemos que aquilo que aparece como exigência do diabo ao pintor é, na verdade, a obrigação que o diabo deve cumprir: ele será um substituto do falecido pai do pintor. Satã se obriga a substituir seu pai durante nove anos, ao cabo dos quais o pintor se entrega de corpo e alma ao seu novo dono. O pensamento que motivou o pacto do pintor parece ser o seguinte: através da morte do pai ele perdeu sua disposição e capacidade de trabalho; se ele tivesse, no entanto, um substituto para o pai, ele poderia recuperar aquilo que perdeu. Alguém que se torna melancólico pela morte do pai deve lhe ter amado muito. É um caso especial, no entanto, que alguém venha a ter a ideia de usar o diabo como substituto de seu amado pai.
O diabo como substituto do pai
Freud afirma que ao utilizar categorias psicanalíticas para compreender o caso de Haitzmann, ele não tem a intenção de convencer ninguém de sua validade. Se o indivíduo já não está convencido disso, não será o caso deste pintor do século XVII que o fará mudar de ideia. No caso em questão, Freud tem como pressuposto a validade da psicanálise e a utiliza para compreender a adoecimento do pintor. A justificativa para tal procedimento vem do sucesso das investigações psicanalíticas sobre a essência das neuroses em geral.
Voltemos então à nossa hipótese de que o diabo, a quem o pintor se sujeitou, é um substituto do pai. Em suporte a esta conjectura podemos mencionar também o fato de que a forma em que o diabo inicialmente apareceu para o pintor é a de um cidadão mais velho, com barba, vestindo um manto vermelho, com chapéu preto, com a mão direita apoiada em uma bengala e com um cachorro preto ao lado. Sua aparição se torna posteriormente cada vez mais terrível, até mesmo mitológica, com chifres, garras de águia e asas de morcego, até que por fim ele aparece como um dragão voador.
Pode soar inicialmente estranho quando dizemos que o diabo aparece aqui como um substituto do pai. Podemos diminuir esta surpresa, no entanto, se nos lembrarmos que o próprio Deus também é um substituto do pai, ou um pai superior, mais elevado, um modelo para o pai terreno como o indivíduo o experimenta na infância e como o gênero humano experimentou em sua pré-história (o pai da horda primitiva). Mais tarde na vida o indivíduo vê o pai de maneira diferente e menor do que parecia, mas este modelo permanece e se mistura, juntamente com os vestígios de memória do pai da horda primitiva, à ideia de Deus.
Sabemos também através da análise individual que a relação com o pai é, desde o início, ambivalente. Ela possui não apenas sentimentos afetuosos, mas também de hostilidade, e a mesma ambivalência domina também nossa compreensão da relação do homem com sua divindade.
Quanto a Satanás, sabemos que ele é uma contraparte de Deus e tem uma natureza muito próxima da sua. Sua história não é tão bem investigada quanto a de Deus, e nem todas as religiões possuem um espírito mal ou opositor a Deus, mas é certo que qualquer Deus pode se tornar um demônio quando ele é vencido ou substituído por novos deuses. Na mitologia cristã, por exemplo, Satanás é um anjo caído e possui uma natureza divina, de modo que não é preciso muita perspicácia para perceber que Deus e o Diabo eram inicialmente idênticos, tinham uma única forma, e que posteriormente foram divididos em dois seres com características opostas. No início das religiões era o próprio Deus que possuía todas as características que posteriormente apareceram reunidas em sua figura de oposição.
A psicanálise conhece bem o processo de divisão de uma representação com conteúdo ambivalente em duas oposições contrastantes. As contradições na natureza inicial de Deus são na verdade um espelhamento da ambivalência que domina a relação do indivíduo com seu pai. Se o Deus bom e justo é um substituto do pai, não é de se admirar então que a atitude hostil, que o odeia e o teme, tomasse expressão na criação de Satanás. O pai seria então o modelo individual tanto de Deus quanto do Diabo.
Não é tão fácil identificar os vestígios de Satanás na experiência psicológica do indivíduo. Quando os meninos desenham caricaturas, por exemplo, é possível quase sempre identificar que estão zombando do pai. E quando ambos os sexos sonham com ladrões ou pessoas invadindo suas casas, isso é geralmente um símbolo típico para a figura do pai, assim como o medo de alguns animais. Nenhum caso é tão claro, no entanto, quanto o do pintor Christoph Haitzmann, o qual tomou o próprio diabo como substituto de seu pai.
Uma melancolia muito profunda causada pela morte do pai não é algo tão incomum. No caso Haitzmann, no entanto, ela parece indicar uma daquelas instâncias em que ela é resultado não só de um amor muito grande pelo objeto perdido, mas também de uma ambivalência em relação a ele. Tendo em vista a análise de outros pacientes, é possível conjecturar que a incapacidade de trabalho desenvolvida após a morte do pai resulte de uma possível oposição do pai à escolha de profissão do filho, de modo que sua doença tenha sido uma espécie de “obediência tardia” e expressão de arrependimento. Ela poderia expressar também uma saudade do pai enquanto protetor e provedor dos meios de subsistência.
Tendo em vista que Haitzmann não foi um paciente de Freud, sua análise se limita àquelas características típicas de uma posição negativa em relação ao pai, e uma delas diz respeito ao uso do número nove. O pacto com o diabo foi realizado por um período de nove anos, e o relato também afirma que Haitzmann resistiu às tentações do diabo por nove vezes antes de finalmente ceder. O número nove é bem conhecido nas fantasias neuróticas. Este é o número dos meses de gravidez, e geralmente indica uma fantasia relacionada a esta questão. O pacto com o diabo falava sobre nove anos, e não nove meses, mas isso é um detalhe sem muita importância nas fantasias inconscientes, como já é bem conhecido da análise dos sonhos, onde nove anos podem muito bem representar nove meses e vice-versa. O número zero, por exemplo, também não tem valor algum nos sonhos, de modo que cinco dólares em um sonho podem representar cinco, cinquenta ou quinhentos dólares na realidade.
Outro detalhe na relação do pintor com o diabo toca na questão da sexualidade. Na primeira vez que viu o diabo, este apareceu na forma de um cidadão honrado. Na segunda vez, no entanto, ele já estava nu e possuía seios, os quais reapareceram em todas as outras ocasiões, até mesmo em uma na qual o diabo também possuía um pênis enorme. Este acento do caráter feminino através de seios grandes pode parecer, num primeiro momento, estar em contradição com a interpretação de que o diabo é para o pintor um substituto de seu pai. A questão fica mais clara, todavia, quando tomamos esta característica como apenas um momento da parte negativa de sua relação com o pai. O pintor está lutando aqui contra sua atitude feminina em relação ao pai, a qual tem seu ápice em sua fantasia de gravidez, de carregar um filho seu (os nove anos de duração do pacto). Com o luto desencadeado pela morte do pai e com o aumento de sua saudade, a fantasia recalcada de gravidez também foi reativada, contra a qual ele precisa agora se defender através da neurose e do rebaixamento de seu pai.
É possível ainda apontar duas razões para as características femininas que aparecem no corpo do pai representado pelo diabo. A atitude feminina da criança em relação ao pai decorre da compreensão do menino de que a concorrência com as mulheres pelo amor do pai tem como condição o abandono dos próprios genitais, ou a castração. A rejeição da atitude feminina é assim a consequência da luta contra a castração, a qual encontra sua expressão mais forte na fantasia contrária de castrar o próprio pai, de torna-lo mulher. Os seios no diabo correspondem então a uma projeção da própria feminilidade do pintor no substituto do pai. A outra explicação destes traços femininos no diabo não tem a ver com uma atitude negativa, mas sim de afeição, mostrando que parte do carinho da mãe foi transferido para o pai, sinalizando com isso também uma forte fixação na mãe.
Tendo em vista que sua relutância contra a castração torna impossível a superação de seu desejo pelo pai, fica claro então por que o pintor se volta para figura da mãe. Haitzmann estava convencido de que apenas Santa Maria poderia lhe livrar do pacto com o diabo, e ele obteve sua liberdade justamente no dia em que se celebra o aniversário da mãe de Deus em Mariazell (8 de setembro).
As outras neuroses
Uma possível crítica ao caso de Cristoph Haitzmann é que aqui não se trata de neurose, mas de mero engodo, falsificação ou simulação. As fronteiras entre neurose e simulação, no entanto, são muito tênues. Freud afirma não ter dificuldade alguma em aceitar o fato de que os dois pactos foram simplesmente inventados pelo pintor, pois a coisa não poderia se dar de outra forma caso ele realmente tivesse esta fantasia de um pacto com o diabo.
O diário de Haitzmann nos permite compreender outros aspectos importantes de sua situação. Devemos nos lembrar que o pintor fez o pacto com o diabo porque depois da morte de seu pai, ele perdeu sua capacidade de trabalho e tinha medo de não conseguir seus meios de vida. Neste momento, depressão, incapacidade de trabalho e melancolia estavam todos relacionados. Um dos motivos de o diabo aparecer com seios talvez fosse para representa-lo como um pai lactante. A carta de um dos padres na época afirma que Haitzmann estava não apenas em necessidade moral, mas também material. A primeira série de visões do pintor em Viena, por exemplo, são típicas das fantasias dos pobres por conforto e bem-estar. Haitzmann era um artista e também um filho deste mundo, de modo que para ele não era fácil abrir mão deste mundo de pecados. No final das contas, no entanto, ele teve que fazê-lo e entrou para uma ordem religiosa para dar fim à sua difícil situação material.
A conclusão de Freud é que Haitzmann queria, o tempo todo, apenas garantir sua sobrevivência. A primeira vez foi com a ajuda do diabo e às custas de sua beatitude, mas como isso não funcionou e ele teve que desfazer o primeiro pacto, ele o fez uma segunda vez entrando em uma ordem religiosa, sacrificando com isso sua liberdade e a possibilidade de desfrutar dos prazeres da vida. Talvez o próprio Haitzmann era apenas um pobre diabo na vida que não teve sorte ou as habilidades mínimas necessárias para sobreviver. Talvez ele tenha sido mais um daqueles indivíduos que chamamos de “eternos bebês”, que nunca abandonam o seio da mãe.
A neurose de Haitzmann parece, em uma análise superficial, apenas o encobrimento de uma simples luta pela vida. Esta relação entre estes dois aspectos não acontece sempre, mas também não é raro encontrar na clínica psicanalítica, por exemplo, casos de homens de negócio que estavam bem e, de repente, adoeceram. O medo da bancarrota ou da falência comercial atua como efeito colateral de suas neuroses, de modo que o homem de negócios se beneficia da situação dissimulando suas reais preocupações de vida por trás dos sintomas.
Em inúmeros casos a neurose é independente dos interesses de sobrevivência. Os conflitos psíquicos que resultam em neurose surgem ou de interesses puramente libidinosos, ou de interesses libidinosos que se ligam àqueles relacionados à preservação da vida. O dinamismo da neurose é o mesmo em todos os casos, de tal maneira que se a libido não alcança gratificação real, ela busca escoamento através da regressão a formas antigas de fixação. Isso quer dizer que, no caso Haitzmann, sua situação de vida provavelmente não teria produzido nenhuma neurose de pacto com o diabo caso ele também não tivesse uma forte saudade do pai.
Como sempre é o caso na psicanálise, o caso de Christoph Haitzmann diz respeito principalmente à experiência individual deste pintor, de modo que não podemos afirmar que todo caso de pacto com o diabo tenha a mesma explicação. Tendo em vista, no entanto, que a possessão demoníaca ainda é um assunto atual sobretudo em países mais pobres e com forte inserção de igrejas neopentecostais, não seria um passo muito grande afirmar que os casos de possessão demoníaca e exorcismos ocorridos nestas comunidades são, em grande parte, manifestações neuróticas intimamente relacionadas às más condições de vida dos indivíduos e a um decorrente medo constante de não serem mais capazes de garantir a própria sobrevivência.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Zwei Fallberichte: Psychoanalytische Bermerkungen über einen autobiographisch beschriebenen Fall von Paranoia (Dementia paranoides) und Eine Teufelsneurose im siebzehnten Jahrhundert. Einleitung von Mario Erdheim. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch Verlag, 2007.
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