Lógica filosófica



Ao invés de seguir a gramática cegamente, o lógico deve, ao contrário, ver sua tarefa como sendo a de nos libertar dos grilhões da linguagem (Frege, 1897:143)

A velha lógica colocou o pensamento em grilhões, enquanto a nova nos dá asas. (Russell, 1914:68)


1. Introdução

O primeiro uso da frase “lógica filosófica” de que tomei conhecimento está em um ensaio semipopular de Bertrand Russell chamado Lógica como a essência da filosofia (1914). Russell e outros vinham praticando a lógica filosófica por anos, mas não foi até este ensaio que Russell identificou e rotulou o que ele considerava ser uma abordagem distintiva da filosofia como um todo. A lógica filosófica, como Russell a concebeu, era o programa de resolução de problemas filosóficos tradicionais através da descoberta e da classificação de formas lógicas, e esta preocupação com formas lógicas se tornou uma característica central e peculiar da filosofia analítica no século XX. Filósofos analíticos fazem outras coisas além de lógica filosófica; mas aqueles dispostos a considerar seu trabalho como contribuições à lógica filosófica são filósofos analíticos.

A contribuição mais famosa ao programa foi a teoria das descrições do próprio Russell, cuja primeira versão publicada apareceu em Sobre a denotação (1905). A forma aparente ou gramatical de, por exemplo, O atual rei da França é careca é de sujeito-predicado, mas Russell argumentou que sua forma lógica é muito diferente, e pode ser expressa como: Algo é um rei da França, não mais do que uma coisa é um rei da França, e o que quer que seja um rei da França é careca. Na opinião de Russel, estar certo sobre a forma lógica tem um valor tanto instrumental quanto intrínseco: isso evita uma metafísica insatisfatória, como, por exemplo, uma ontologia meinonguiana guiada por uma suposta necessidade de postular um ser correspondente a “o rei da França”, e isso torna possível uma epistemologia plausível, já que pode-se saber que há coisas com certas propriedades sem estar-se familiarizado com nenhum exemplo. Na opinião de Russell, a lógica filosófica não era uma área especialmente importante da filosofia, mas o centro de todo filosofar sério:

Todo problema filosófico, quando sujeito à necessária análise e purificação, ou não é realmente filosófico, ou então é, no sentido que estamos usando a palavra, lógico.

Mais à frente neste ensaio, o sentido em questão é identificado precisamente como “lógica filosófica”.

Russell aplicou o programa da lógica filosófica a uma ampla variedade de problemas, mais especificamente na filosofia da matemática. Seu logicismo é a afirmação de que as verdades matemáticas são verdades lógicas, sendo possível prová-las por meios lógicos (se forem mesmo possíveis de provas), e então identificáveis da mesma forma como lógica. O centro da posição pode ser representado como uma afirmação sobre a forma lógica: nos aproximamos mais da forma lógica de, digamos, 2+2=4, considerando-a como se tratando de relações entre classes de classes, e nos aproximamos ainda mais quando apreciamos que a referência aparente às classes é não-essencial (a teoria das classes “sem classes”). Isso leva à posição draconiana de que não há objetos matemáticos, nem números e nem classes, ou, antes, mais correta e cautelosamente, à posição de que não há razão para supor que existe alguma. Na tradição russelliana, as propostas de forma lógica não estão nunca muito distantes das afirmações metafísicas ou epistemológicas frequentemente dramáticas.

Outras aplicações do programa da lógica filosófica foram à crença e ao juízo, à verdade, à existência (incluindo o argumento ontológico para a existência de Deus), e ao programa de orientação epistemológica de substituir as “entidades inferidas” por “construções lógicas”, aplicada ao mundo externo e às mentes.

A influência do trabalho de Russell se faz sentir em qualquer filósofo que esteja disposto a fazer um contraste entre forma gramatical e forma lógica. Encontramos uma afirmação clara, e um reconhecimento a Russell no Tractatus de Wittgenstein:

4.002: A linguagem veda o pensamento; do mesmo modo, não é possível concluir, da forma exterior da veste, a forma do pensamento vestido por ela, porquanto a forma exterior da veste não foi feita com o intuito de deixar conhecer a forma do corpo.
4.0031: O mérito de Russell é ter mostrado que a forma aparentemente lógica da proposição não deve ser sua forma real.

A influência de Russell se faz sentir no trabalho de muitos daqueles que salpicam seus textos com símbolos lógicos propositadamente para parafrasear alguma locução da fala comum. Estes filósofos podem não estar explicitamente militando sob a bandeira do programa da lógica filosófica, mas revelam que estão absorvidos sob sua influência, talvez pouco conscientes, se eles defendem que as paráfrases simbólicas revelam algo do qual, de outra maneira, estaria oculto no que eles parafraseiam. A conclusão é que uma história totalmente detalhada da lógica filosófica neste século abrangeria grande parte da filosofia analítica. Ao invés de tentar isso, indicarei no segundo item alguns dos maiores acontecimentos no desenvolvimento da lógica filosófica, e considerarei sua metodologia, e a justificativa para a concepção da forma lógica a qual a lógica filosófica requer. No terceiro item discutirei um aspecto do conceito de verdade que pertence à lógica filosófica: os paradoxos que ele suscita, e como estão relacionados a alguns outros paradoxos. Concluirei com um prognóstico em relação ao futuro da lógica filosófica.


2. “Forma lógica”: o santo graal da lógica filosófica

2.1 – A tradição Russell-Quine-Davidson

Russell pensou que a linguagem de Principia Mathematica era a linguagem das formas lógicas: nessa linguagem, não há distinção entre forma lógica e forma gramatical, nem ambiguidade e nem falta de clareza. Um grande filósofo a herdar explicitamente esta visão foi W. O. Quine, cujo Sobre o que há foi um marco na aplicação da forma lógica à ontologia. A principal afirmação deste texto foi que os comprometimentos ontológicos de uma teoria devem ser julgados primeiramente traduzindo-os para uma linguagem da lógica de primeira ordem (uma boa parte da linguagem de Principia Mathematica) e então vendo o que precisa existir para que as quantificações existenciais sejam verdadeiras: “Ser considerado como uma entidade é, pura e simplesmente, ser tomando como o valor de uma variável.” (Quine 1948:13) A tradução é essencial para nos prevenir, por exemplo, de supor que um comprometimento à visão de que uma pessoa atuou por causa de outra é por isso um comprometimento a uma ontologia de causas: tais falsas aparências desapareceriam assim que a afirmação fosse arregimentada na lógica de primeira ordem.

Apesar de uma distinção entre forma gramatical e forma lógica ser livremente usada na tradição analítica, por muitas décadas a metodologia da distinção foi relativamente pouco discutida. Em Sobre a referência (1950ª), Peter Strawson introduziu algumas dúvidas, derivadas de sua compreensão da plasticidade e da dependência de contexto da língua comum comparada com a rigidez das línguas formais. Ele sugeriu que não havia programa adequado para encontrar formas lógicas, pois “a língua comum não tem lógica exata” (1950a: 27). Ele estava plenamente consciente de que as mesmas palavras podem ser usadas em diferentes contextos para dizer diferentes coisas (“Eu estou faminto”, dito por mim, diz que eu estou faminto, mas dito por você diz que você é quem está), e isso impede uma descrição exata da linguagem que não presta atenção à maneira como é utilizada. Ao contrário, linguagens formais são geralmente idealizadas de tal maneira que não há dependência de contexto; o que pode de alguma forma parecer uma dependência de contexto será apresentado como uma precisão de um modelo teórico, por exemplo, o fato de que a uma variável podem ser atribuídos diferentes objetos em diferentes interpretações.

A maior defesa da abordagem Russell-Quine à forma lógica se deve a Donald Davidson. Ele se utilizou livremente do contraste entre forma lógica e forma gramatical em A forma lógica de sentenças de ação (1967), propondo que sentenças como “Shem chutou Shaun” são “realmente” (isso é, a nível de forma lógica) quantificações existenciais sobre eventos (chutes), e que “chutou”, apesar de ser aparentemente de dois lugares, é na realidade de três lugares. A forma lógica é algo como: há um chute o qual Shem chutou para Shaun. James Cargile (1970: 137-8) protestou que, da forma como ele via, não era possível ver o quantificador existencial, e ele não podia imaginar uma base para supor que “chutou”, como ocorre na sentença em questão, tem mais que dois lugares. De forma mais geral, ele salientou que uma afirmação de forma lógica não deve resultar em mais que uma afirmação de equivalência lógica, mesmo se um dos equivalentes seja em algum sentido mais claro que o outro. Isso suscitou de Davidson historicamente a primeira grande explicação dos critérios para selecionar formas lógicas (Davidson 1970), e uma justificativa do interesse delas. Ao mesmo tempo, Davidson foi explicito quanto ao fato de que encontrar uma forma lógica não é, como pensou Russell, o fim da história, mas apenas o começo: depois disso, e apenas depois disso, o real trabalho de análise filosófica pode começar.

As posições de Davidson foram desenvolvidas (por Lycan, por exemplo, em 1984), mas na tradição puramente filosófica não há um paradigma radicalmente distinto em vista. Uma noção de forma lógica teve uma vida diferente nas mãos dos linguistas, onde ela é frequentemente referida como um nível de descrição sintática chamada “FL”. Já em 1957, Noam Chomsky sugeriu que uma descrição apropriada ou a representação de uma sentença, do ponto de vista gramatical, teria várias camadas, e isso pavimentou o caminho para a ideia, desenvolvida subsequentemente, de que a FL seria uma das tais camadas. Uma visão comum é que a FL é o nível de representação linguística no qual toda estrutura gramatical relevante à interpretação semântica é específica (cf. Hornstein, 1995). Apesar de não haver dúvidas de que as motivações para introduzir a FL tipicamente diferem das motivações que levaram filósofos a introduzir a forma lógica, a questão de se as FL dos linguistas e a forma lógica dos filósofos são ou não essencialmente as mesmas por debaixo da pele é problemática, e não vamos explorá-la. Ao invés disso, vou examinar em mais detalhes algumas das questões metodológicas levantadas pela concepção de forma lógica que foi dominante na literatura filosófica em oposição à linguística (apesar de a distinção não ser de forma alguma hermética).

2.2 Russell

Sabemos que tipo de lógica filosófica é a de Russell se sabemos o que é forma lógica, pois a lógica filosófica é o programa de encontrar formas lógicas. Aqui está uma das primeiras formulações explícitas de Russell:

A forma não é um outro constitutivo [das proposições], mas é a forma como os constitutivos são colocados juntos. São as formas, neste sentido, que são propriamente os objetos da lógica filosófica (Russell, 1914: 52)

A forma básica é a forma atômica, exemplificada por uma sentença composta de um predicado de n-lugares juntamente com n nomes. Embora isso possa nos parecer de pouca importância para merecer um comentário, esta concepção da forma básica foi inovadora e controversa. Como Russell deixou explícito, a noção de uma sentença atômica é designada para superar a noção mais antiga da forma sujeito-predicado, a qual Russell acreditava ser deficiente por duas razões. Uma razão explícita é que ela não faz justiça às relações. Tratada como sujeito-predicado, “Maria ama João” e “João ama Maria” não compartilham nem o sujeito e nem o predicado (pois “ama João” é um predicado diferente de “ama Maria”). Considerado como uma relação de dois lugares, há uma relação em comum e dois nomes comuns, e a única diferença é a ordem. A segunda descrição é superior do ponto de vista do desenvolvimento de uma lógica de relações.

A outra razão para a insatisfação com a noção de sujeito-predicado em contraste com as sentenças atômicas era implícita. No tipo de linguagens com as quais Russell estava preocupado, há um estoque finito de nomes e predicados e por isso um estoque limitado de sentenças atômicas. Na concepção tradicional, sentenças sujeito-predicado são infinitas em suas quantidades, pois expressões de sujeitos podem ser complexas sem nenhum limite. Por exemplo, descrições precisas como “A rainha da Inglaterra” são contadas como expressões de sujeito, o que significa que deve-se considerar também como expressões de sujeito as seguintes: “A rainha do país que colonizou a Índia”, “A rainha do país que colonizou o país no qual apenas os tigres são indígenas”, e assim por diante. Era importante para Russell que a linguagem ou pensamento começasse com um número finito de elementos, e isso é assegurado pela concepção de uma sentença atômica ou de um juízo atômico; a concepção de um sujeito-predicado não pode ter a mesma função.

O entusiasmo de Russell com a insistência de Frege sobre a noção de sentença atômica[1] se baseou em parte em sua avaliação da maneira pela qual ela possibilitou a provisão de condições de verdade de sentenças quantificadas em termos de quantificações sobre as condições de verdade de sentenças atômicas. Como descreve Dummett este aspecto do trabalho de Frege:

“todos invejam todos” é verdadeiro apenas no caso de cada uma das sentenças “Pedro inveja alguém”, “James inveja alguém”, ... ser verdadeira; e “Pedro inveja alguém” é, por sua vez, verdadeira apenas no caso de pelo menos uma das sentenças “Pedro inveja John”, “Pedro inveja James”, ser verdadeira. (Dummett, 1973ª: 11)

Encontramos uma exposição semelhante da quantificação em Sobre a denotação, de Russell, como um precursor à sua classificação de descrições precisas como frases quantificadoras. Isso contrasta com a abordagem tradicional, encontrada por exemplo em Leibniz, de acordo com a qual o papel inferencial de sentenças como “Sócrates é mortal” é explicada em parte por sua equivalência com “Algum-ou-todo Sócrates é mortal” (cf. Sommers: 1982: 15-21).

Os constituintes de uma proposição ou julgamento atômico são (i) os portadores dos nomes e (ii) a propriedade ou relação introduzida por um predicado; a forma lógica não é constituinte, mas é, ao contrário, a conexão entre os constituintes em virtude dos quais a sentença consegue dizer algo. Russell lutou com esta noção fundamental, rotulando o problema como sendo o da “unidade da proposição”. Pegue uma sentença atômica como “Desdemona ama Cássio”, e suponha que ela pertença ao mundo dos fatos ao invés do mundo da ficção.[2] Os três constituintes são Desdemona, Cássio e amor, três entidades reais (uma mulher, um homem e uma relação). Mas a sentença diz (de forma verdadeira ou falsa, mas de fato falsa), que Desdemona ama Cássio; nisso ela alcança algo que uma mera lista não pode alcançar. Russell escolheu um exemplo de falsidade para evidenciar a dificuldade: no caso de uma verdade, este processo de combinação poderia resultar em um fato, uma entidade complexa consistindo do amor de Desdemona por Cássio. Mas como a sentença é falsa, não há tal fato, nem tal entidade complexa. O problema era entender como a combinação dos constituintes poderia resultar em uma entidade a qual tornou a sentença mais do que uma lista sem resultar em um fato, e assim, absurdamente, impedindo a possibilidade de falsidade. Em vários pontos Russell apelou à forma lógica para responder a esta questão, apesar de nunca ter chegado a uma formulação que lhe satisfizesse (cf. Russell 1913). Os constituintes de, digamos um átomo de um lugar são ligados através da forma atômica unária. Esta forma não poderia ela própria ser um constituinte sob pena de regressão (como a forma estaria ligada a outro constituinte?); mas pareceu enigmático a Russell que ela poderia fazer qualquer coisa na proposição sem ser um constituinte. E de fato pareceu enigmático a ele como qualquer coisa poderia combinar os constituintes de uma maneira que lhes fazia dizer alguma coisa sem também combiná-los de uma maneira que tornasse verdadeiro o que disseram, impedindo assim a falsidade. Como ele afirma, precisamos que a relação “realmente relacione” os termos se queremos mais do que uma lista; mas se ela realmente relaciona os termos então a proposição é verdadeira.

A dificuldade de Russell não é muito discutida hoje em dia fora dos círculos que estudam Russell, mas me parece que isso toca em várias teorias contemporâneas. Para pegar só um exemplo: alguns identificam as proposições com conjuntos de mundos possíveis, e dizem que uma proposição é verdadeira em um mundo apenas no caso daquele mundo pertencer a ela. Isso não responde à questão de como um conjunto pode dizer algo. Nem todos os conjuntos dizem algo; apenas aqueles que são proposições. Que características adicionais tais conjuntos possuem? Não digo que a questão é irrespondível, mas apenas que permanece como uma genuína questão.[3]

2.3 Três vertentes da concepção de forma lógica

A concepção de forma lógica de Russell teve, portanto, uma fundação instável no que se refere a sentenças atômicas e proposições. Ela deveria constituir um cimento que ligava os constituintes de uma proposição uns aos outros de tal maneira de que eles dissessem algo, formassem um conteúdo que pudesse ser julgado, mas Russell nunca sentiu que ele tivesse explicado satisfatoriamente como isso poderia se dar. Apesar disso, o remanescente de sua posição procedeu sem grandes problemas, graças a uma mudança de foco. Os conectivos padrões de sentenças ligavam os átomos uns aos outros de uma maneira que poderia ser explicada através de sua verdadeira funcionalidade: eles são puramente a base e não apresentam por si só novos constituintes. O primeiro Wittgenstein anunciou isso como um princípio central do Tractatus:

4.0312: Meu pensamento basilar é que as “constantes lógicas” nada substituem; que a lógica dos fatos não se deixa substituir.

Constantes lógicas, como “e” e “se” (ou “&” e “→”), afirma Wittgenstein, são podem substituir, isso é, eles não ficam no lugar de nada, não introduzem um constituinte adicional mas tem a função apenas de cimentar.[4]

Dado que o papel dos conectivos funcionais de verdade é explicado em termos da dependência funcional de verdade dos valores de verdades de complexos sobre aquele de suas partes sentenciais, por que não deveria Russell, ou o primeiro Wittgenstein, considera-los como se referindo a funções de verdade? Em face disso, isso mostraria como um constituinte poderia funcionar também como uma base, pois uma função liga seus argumentos uns aos outros. Apesar de eu não estar consciente de uma discussão explícita em Russell, penso que sua motivação foi provavelmente ontológica. Considere o fato de que Platão era grego e Napoleão francês. Como deve ser o mundo para que isso seja assim? É necessário e suficiente que dois fatos mais simples existam: que Platão fosse grego, que Napoleão fosse francês. Em face disso, não há necessidade que uma terceira coisa exista, a saber, a conjunção da função de verdade. Então não há razão para supor que exista tal função, e fazemos melhor em explicar a verdade ou falsidade de sentenças conjuntivas sem apelar a essas entidades dúbias.

Forma lógica como cimento: isso é uma vertente em sua natureza. Ela tem a ver com a ideia de que o vocabulário lógico ou as constantes lógicas servem para introduzir apenas fundamentos, e não constituintes, e veremos que isso é uma vertente da qual muito se tem feito em escritos mais recentes, principalmente os de Davidson. Outra vertente é a forma lógica como reveladora de um compromisso ontológico, a vertente mais explorada por Quine. A terceira é a da forma lógica como reveladora de característica de um juízo de maior importância para a inferência. Por exemplo, Russell pensou que o problema de Platão do não-ser simplesmente não surgiria se às sentenças problemáticas fossem dadas suas formas lógicas apropriadas, e então as inferências paradoxais não seriam possíveis. O problema é explicar como é possível verdadeiramente dizer que alguma coisa não existe, dado que se é dito isto de alguma coisa então dizemos algo falso, enquanto que se alguém diz isso sobre o nada então não se diz nada absolutamente. A primeira extremidade do dilema pressupõe que uma a forma lógica da afirmação de não-existência é “não (Existe (a))”. Isso não implica classicamente que a exista (isso é, que exista algo idêntico a a). De acordo com Russell, uma afirmação de não-existência não tem essa forma, mas sim algo neste sentido: “não (existem tais e quais)”. Isso nem dá suporte à inferência indesejada, nem pode ser considerada, como sugere a outra extremidade do dilema, como “dizer nada”. Então “unicórnios não existem” tem a forma lógica sem problema “não (existem unicórnios)”, e “Vulcano não existe” tem a forma lógica sem problema “não (existe um único planeta entre Mercúrio e o Sol responsável pelas perturbações na órbita de Mercúrio)”. [5]

Podem as três vertentes que identificamos na forma lógica ser consideradas como parte de um único fenômeno? O cimento fornece a estrutura, unindo os tijolos uns aos outros, e uma inferência válida, ou pelo menos uma inferência logicamente válida, é uma inferência em virtude da forma ou da estrutura, independente das características especificas dos constituintes. “Fido late, logo, algo late” é válido em virtude de sua forma, a qual é compartilhada por inúmeros outros argumentos (“Platão pensa, logo, algo pensa”, “Napoleão comanda, logo, algo comanda”, e assim por diante). Assim, o vocabulário lógico tanto junta quanto mostra as características relevantes às inferências; isso conecta duas das nossas três vertentes. Ao passo que poderíamos pensar ser possível aplicar uma generalização existencial a “O atual rei da França não existe” para almejar o indesejado “alguma coisa não existe”, nenhuma inferência deste tipo está disponível quando a verdadeira forma da premissa é considerada (“Nada é singularmente rei da França”).

Mark Sainsbury
Tradução de Glauber Ataide


Notas

[1] A lógica tradicional considerava as proposições “Sócrates é mortal” e “Todos os homens são mortais” como sendo da mesma forma; Peano e Frege mostraram que elas eram muito diferentes quanto à forma... a importância filosófica dos avanços que ela tornou possível não pode ser exagerada” (Russell, 1914:50)

[2] Devemos também fingir que “Desdemona” e “Cássio” são nomes próprios no sentido lógico, isso é, não devem ser analisados como descrições realmente exatas.

[3] A maneira como eu tento responder a isso (2002: V) pela parte de Russell poderia ser adaptada para uma variedade de pontos de vista sobre a natureza das proposições.

[4] Wittgenstein escreve como se ele pensasse que Russell discordava e considerava as constantes lógicas como entidades não-linguísticas: “se torna evidente que não há ‘objetos lógicos’ ou ‘constantes lógicas’ (no sentido de Frege e Russell)” (1921: parágrafo 5.4).

[5] A afirmação de que nomes próprios como “Vulcano” tem como suas formas lógicas descrições exatas como “o planeta entre Mercúrio e o sol, responsável pelas perturbações na órbita de Mercúrio” tem sido muito debatido dentro da tradição filosófica lógica.

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