Críticas ao empirismo de Locke por Leibniz, Hegel e Kant

Os Novos ensaios sobre o entendimento humano, de Leibniz, podem ser considerados como um comentário crítico aos Ensaios sobre o entendimento humano, de John Locke. O objetivo de Leibniz é não apenas refutar algumas teses defendidas pelo “ilustre inglês”, mas também apresentar suas próprias formulações, em uma perspectiva racionalista, sobre os problemas que ele considera não terem sido tratados de forma satisfatória pelo empirismo lockeano.

O primeiro ponto de discordância com Locke é apresentado por Leibniz na Introdução de sua obra, e consiste em saber se, como Aristóteles e Locke afirmam, a alma em si mesma é completamente branca como uma página sobre a qual nada ainda tenha sido escrito – uma tabula rasa. Leibniz quer investigar se tudo que nela há vem apenas dos sentidos e da experiência ou se, como em Platão, a alma inerentemente contém a fonte de várias noções e doutrinas, nenhuma delas vindo do exterior, o qual seria responsável apenas por suscitar as noções e doutrinas nas ocasiões apropriadas.

Leibniz afirma que, embora a experiência seja necessária para todo o nosso conhecimento, ela não é suficiente. Os sentidos nos fornecem apenas instâncias, isso é, verdades particulares ou singulares. Sejam quantas forem as instâncias que confirmem uma verdade geral, elas não são suficientes para estabelecer sua necessidade universal, pois o que já aconteceu não necessariamente sempre acontecerá da mesma maneira. O empirismo apresenta uma limitação quanto à formulação da cadeia de causação. 

Outra importante crítica ao empirismo se encontra na Fenomenologia do Espírito, de G. W. F. Hegel. Para o filósofo de Jena, o empirismo, ao pensar apreender o objeto de forma imediata, pensa ser ele próprio o saber imediato. Ele é, aparentemente, o saber mais rico, pois nada dos objetos lhe escapa. Esta certeza de apreender o objeto de maneira imediata é, no entanto, a mais pobre e abstrata, pois só pode dizer do objeto: isto é. Sua verdade contém apenas o Ser da Coisa (Sache). A consciência, por sua vez, é apenas puro Eu nesta certeza.

O objeto nunca é apreendido de forma passiva. Todo conhecimento estabelece uma relação entre aquele que vê e aquilo que é visto, de onde se derivam o eu (puro) e o objeto. Nem o sujeito e nem o objeto são imediatos, como pensa o empirismo. A certeza sensível precisa do objeto, e o objeto, para sua certeza, precisa do eu. O objeto, considerado de forma independente do pensamento, é para-si. Ao se tornar conhecido por um observador, no entanto, carrega uma nova determinação, tornando-se um ser-para-outro.

A consciência, nesta forma de experiência chamada certeza sensível, pensa poder se ligar de maneira direta e imediata aos objetos individuais, o que é um erro. O suposto particular pode ser apreendido apenas como geral, como o Isto, o Aqui e o Agora. Quando o empirista aponta para um objeto e diz: “isso”, tal objeto se encontra no tempo e no espaço - é um Aqui e Agora.  Uma árvore, por exemplo, observada pelo empirista às 15hs, não é vista da mesma forma à meia-noite. Com isso o saber se mostra dependente do tempo. Esta mesma árvore, observada em um parque, não é vista dentro da cozinha do empirista, mostrando que o saber também depende do espaço. Nesta experiência inicial que a consciência faz de si mesma já é possível perceber que há muito mais na observação de um objeto do que o empirismo podia supor. Outro exemplo da dependência da verdade quanto ao tempo é que, ao anotar em um papel a seguinte frase: “Agora são 10 horas”, ela é verdadeira. Ao ler esta informação, no entanto, algumas horas depois, a verdade terá se desvanecido, terá se tornado falsa. Se o que é verdade permanecesse para sempre verdade, de maneira absoluta e independente, a frase não teria se tornado falsa.

Kant também já havia demonstrado a dependência de nosso conhecimento quanto ao tempo e ao espaço enquanto formas puras a priori da intuição sensível. Em sua Crítica da razão pura ele afirma que tanto o tempo quanto o espaço não são conceitos empíricos, retirados da experiência externa. Ambos são representações necessárias a priori, não sendo, tampouco, conceitos discursivos ou gerais. Considerando que todos os objetos da experiência são dados no tempo e no espaço, sem estes não é possível ter experiência de qualquer objeto.

Locke e os empiristas, portanto, para responder às críticas de Leibniz, Hegel e Kant precisariam demonstrar: 1) como alcançamos verdades gerais se nunca tivemos experiência sensível da totalidade; 2) que o objeto não se dá em um Aqui e Agora, não recebe nenhuma determinação ao se tornar um ser-para-outro e que 3) tempo e espaço são retirados da própria experiência dos objetos. 

Um especial desafio se coloca neste último ponto: se os objetos só podem ser dados no tempo e no espaço, como poderiam tempo e espaço serem retirados da própria experiência? Isso levaria a uma circularidade.

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