Como não estragar uma conversa, ou sobre a arte de conversar



Conversar não consiste apenas em falar e ouvir. Conversar é uma arte, uma performance que envolve duas ou mais pessoas. Talvez poderíamos até mesmo dizer que a conversação é um jogo no qual todos ganham, em que não há vencedor e perdedor, mas que possui, como toda disputa, certas regras mais ou menos definidas.

Foi para tentar salvar a tradicional arte da conversação, que parecia em declínio em sua época, que o enciclopedista francês André Morellet publicou em 1812 "Sobre a conversação", ensaio no qual enumera os onze principais vícios que estragam qualquer conversa. Estes erros são 1) a desatenção; 2) o hábito de interromper e falar vários ao mesmo tempo; 3) o afã exagerado de mostrar espírito; 4) o egoísmo; 5) o despotismo ou o espírito de dominação; 6) o pedantismo; 7) a falta de continuidade na conversação; 8) o espírito de pilhéria; 9) o espírito de disputa; 10) a disputa e 11) a conversação particular em substituição à conversação geral. Vamos falar sobre alguns desses vícios.

A desatenção é um dos piores vícios na conversação. Ela fere, ofende, rebaixa aquele que fala. Segundo Morellet, "a obrigação de escutar é uma lei social que é infringida incessantemente". A desatenção hoje ganhou novas formas, e uma das principais é aquela devida ao uso de dispositivos eletrônicos como celulares e tablets. Quem nunca passou pela desagradável situação de disputar a atenção de alguém contra uma atraente tela luminosa?

O hábito de interromper é um dos mais irritantes. Esta é a prática de "interromper continuamente aquele que está falando, antes que tenha acabado sua frase e dado a entender todo o seu pensamento". Muitas vezes ocorre na tentativa de completar o pensamento de quem está falando, como se quem interrompesse soubesse o que ainda está para ser dito. Morellet afirma que este vício era tão difundido na França de sua época que, certa vez, o astrônomo Mairan propôs a seus confrades: "Senhores, proponho-lhes determinar que aqui falarão somente quatro ao mesmo tempo; talvez possamos chegar a entender-nos".

A pretensão a ter espírito também causa grande desprazer na conversação. Uma de suas formas consiste em mostrar "ter opiniões já formadas sobre todos os assuntos tratados", como se aquilo que o indivíduo está dizendo fosse uma opinião sólida, formada há muito tempo, e que naquele assunto ele não tem mais nada a aprender. Um grande problema nisso, segundo Morellet, é que ao pedir a esses indivíduos para aprofundar o que acabaram de dizer, geralmente repetem tudo o que disseram e encontram grandes dificuldades para sustentar sua vaidade. "Todo o mundo", afirma Morellet, "se vangloria de trazer, à sociedade, suas opiniões já formadas, porque cada qual quer que pensem que leu, estudou e refletiu sobre os temas que são tratados". Esta vaidade de exibir uma opinião definitiva sobre questões que jamais se examinaram, porém, é o grande caráter da ignorância, pois "o homem que aprendeu muito é aquele que sabe melhor que ainda tem muitas coisas para aprender, e este também não enrubesce de não saber tudo".

É de fato muito estranho, afirma Morellet, que pessoas que nunca tiveram senão pouco contato com certa matéria tenham a pretensão de ter idéias formadas e definitivas sobre questões muito difíceis, e de saber tudo, sem jamais ter aprendido nada. Uma das origens deste erro consiste em pensar que os assuntos concernentes às ciências humanas, por não possuirem um vocabulário hermético como o das ciências exatadas e tratarem de temas da vida comum, são por isso um campo aberto a qualquer indivíduo, e que todos podem adicionar sua própria opinião e rivalizar com as conclusões dos grandes estudiosos de cada tema. Se um homem não estudou política ou filosofia moral, por exemplo, não tem mais autoridade para emitir sua opinião nessas áreas do que teria no campo da física ou da química.

O pedantismo, outro forte candidato a estragar qualquer conversa, consiste no "uso demasiado frequente e descabido de nossos conhecimentos na conversação comum e a fraqueza que faz com que se dê a tais conhecimentos uma importância exagerada". Este vício tem muito a ver também com o tom: é pedante aquele que fala com os outros como se estivesse dando aula, como um mestre fala aos discípulos. Uma variação do pedantismo é o "purismo", que consiste na escolha minuciosa das palavras, a busca do termo perfeito. Às vezes o pedante purista troca uma palavra comum por outra menos familiar com o intuito de expressar melhor seu pensamento mas, no final das contas, o efeito é o contrário.

A falta de continuidade na conversação é outro dos erros mais comuns. É a desconexão, a falta de ligação entre as idéias. Dentro de uma mesma conversa, abrem-se parênteses dentro de parênteses, um assunto leva a outro, que leva a um próximo, quando então se percebe que o curso da conversa não parece ter nada a ver com o tema em que se estava. Frequentemente surge a pergunta: "por que estávamos falando disso mesmo?". Às vezes é inócuo divagar, afastar um pouco do tema principal e depois retornar à trilha principal da conversa, pois isso pode tornar a conversa mais agradável. É necessário estar atento, porém, à frequência e ao grau em que nos afastamos do tópico da conversação.

O espírito de pilhéria é um vício desagradável, embora o objetivo do pilheriador seja o oposto. Este é o vício de procurar ser divertido na conversação, o que em si não é reprovável, contanto que não ultrapasse certos limites. Há indivíduos que buscam ver um lado ridículo em qualquer assunto que se toque, por mais sério que seja. "Desvirtuam assim, com uma palavra, o que se disse de mais engenhoso e, algumas vezes, de mais profundo". O espírito pilheriador fica atento a cada termo em busca de um trocadilho, de um jogo de palavras, dando atenção não às idéias às quais as palavras fazem referência, mas apenas às palavras em si, enquanto sílabas e sons.

A conversação, seja entre duas pessoas ou em grupo, é um dos principais prazeres sociais, um momento único e ímpar de troca, de crescimento e de aprendizado. Nossas mentes fixam a atenção muito mais naquilo que é ouvido em uma conversa do que naquilo que é lido em um livro. Segundo Montaigne, o estudo dos livros é um movimento lânguido e fraco, que não se inflama. Na conversação, ao contrário, confere-se ao espírito mais atividade, à memória mais firmeza e, ao juízo, mais penetração, pois "a necessidade de falar claramente leva a encontrar expressões mais corretas." Aprender a conversar, portanto, nos torna não apenas pessoas mais agradáveis, mas também pessoas melhores.

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