Resenha de "13 reasons why" - o suicídio como vingança

Albert Camus afirma que o único problema filosófico realmente sério é o suicídio. Saber se vale a pena continuar vivendo ou não diante do absurdo da existência é uma questão que antecede a todas as outras, e foi com esta perspectiva que comecei a acompanhar 13 reasons why.

Mas quanto maior a expectativa, maior a decepção. Se você espera questões existenciais profundas nesta série, desista. A repercussão de 13 reasons why nas redes sociais foi desproporcional à profundidade com que o tema do suicídio foi ali abordado. Ao invés de uma angústia profunda diante da inevitabilidade da morte, por exemplo, a série lida com problemas bem menores de uma adolescente no ensino médio. Em todo caso, a obra teve o mérito de pelo menos suscitar a discussão, como esta breve resenha está fazendo agora.

O suicídio como vingança

13 reasons why é uma série que, em certa medida, apresenta o suicídio como um ato de vingança. A impostação e o tom de voz de Hannah Baker em suas primeiras fitas parecia o de alguém com um prazer, digamos, catártico em acusar seus colegas. Suas palavras soavam como um ato de retribuição, de pagamento, de justiçamento por tudo que ela havia sofrido e estava narrando.

Uma das primeiras associações que me ocorreu durante o início da série foi um trecho do romance existencialista A queda, de Albert Camus, o qual trata do suicídio como vingança. A passagem que citamos abaixo parece descrever o que deve ter se passado na cabeça de Hannah Baker ao decidir tirar sua própria vida:

"Como sei que não tenho amigos? É muito simples: eu o descobri no dia em que pensei em matar-me para lhes pregar uma boa peça, para puni-los, de certa forma. Mas punir quem? Alguns ficariam surpreendidos; ninguém se sentiria punido. Compreendi que não tinha amigos. Além disso, mesmo se os tivesse, não adiantaria nada. Se eu pudesse suicidar-me e ver em seguida a cara deles, então, sim, valeria a pena." (Albert Camus, A queda)

Ao gravar as fitas e preparar sua morte, Hannah Baker podia apenas imaginar a reação dos seus colegas diante de seu suicídio. Mas somos apenas nós, os telespectadores, que podemos realmente acompanhar os desdobramentos de sua decisão. Do ponto de vista do personagem de Camus, só valeria a pena Hannah Baker se matar se fosse possível ver a cara dos seus "amigos" de escola. Teria Hannah Baker se matado se ela pudesse ver que praticamente ninguém se sentiu realmente punido por sua morte?

A reação geral ao seu suicídio foi mais de surpresa do que de punição, exatamente como na passagem de Albert Camus. A grande preocupação de cada um daqueles mencionados nas fitas foi a de se livrar das acusações, preservar sua reputação e não compromenter seu futuro (alguns poderiam não ganhar bolsa na faculdade caso estivessem envolvidos em processos judiciais). Não foi uma preocupação verdadeira com o outro, mas consigo próprio. Quem mais sentiu sua perda, de fato, foram Clay Jensen (seu romance nunca consumado) e seus pais. Mas seus alvos não eram seus pais ou Clay. As fitas não foram gravadas para eles. O suicídio de Hannah, enquanto ato de punição, de nada valeu.

Três questões sobre o suicídio

Dentre as questões importantes que a série traz para a discussão, gostaria de mencionar três. A primeira é que ninguém precisa de boas razões para se matar. Algumas das situações pelas quais Hannah Baker passou são comuns a todos, e poucos se matam por isso. Quem nunca se sentiu traído por pessoas que acreditávamos serem nossos amigos? Quem nunca se sentiu sozinho em meio a um multidão? Quem não sente que as relações hoje são superficiais ou, para usar um termo do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, líquidas? A maioria de nós, de alguma maneira, suporta essa situações, e se matar por causa disso parece um exagero.

A segunda questão que eu destacaria coloca um contraponto à primeira: o sofrimento de cada pessoa não é quantificável e deve ser respeitado. Encontramos na própria sala de aula de Hannah Baker outros alunos que também não eram populares, que passavam por situações delicadas em casa ou na escola, mas que não tomaram o mesmo caminho. O que é suportável para um indivíduo, no entanto, pode não ser para outro, e nunca podemos julgar o tamanho do sofrimento de alguém nas alegadas "razões" de seu sofrimento.

A terceira questão é que as "razões" do sofrimento de alguém são, muitas das vezes, apenas razões encobridoras. Na psicanálise, razões encobridoras são aquelas utilizadas para justificar comportamentos ou sentimentos cuja causa real desconhecemos. Se Hannah Baker sentiu de modo tão profundo um ato de traição de seus amigos de modo a contabilizá-lo como uma das razões de seu suicídio, o psicanalista irá investigar qual a situação mais profunda, arquetípica e (provavelmente) infantil que está influenciando seu comportamento hoje.

Alerta

13 reasons why levante o debate até mesmo entre aqueles que, como eu, não gostaram da superficialidade com que o tema foi abordado. Teria sido essa superficialidade proposital? Talvez sim, e para mostrar justamente que quem se mata raramente tem alguma "boa" razão a partir de nosso ponto de vista.

As treze razões do suicídio de Hannah Baker parecem tolas a um adulto que já passou pela maioria daquelas situações, mas pode ser insuportável para alguns adolescentes. Isso liga o nosso sinal de alerta para o fato de que, muitas vezes, quem pensa em se matar não comunica suas intenções, e que seu sofrimento é guardado em segredo, velado e imperceptível. É necessário ter mais sensibilidade ao sofrimento alheio, tendo sempre em mente que dor é algo que não se quantifica, e que as razões enunciadas para um suicídio geralmente apenas encobrem as razões reais inconscientes.

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