Ser feliz nunca foi tão fácil: independente de como esteja o mundo ou sua vida, existe uma pílula específica para o seu caso. A psiquiatria moderna garante que sua infelicidade tem cura, e a um preço razoável.
Esta é a denúncia feita pelo médico estadunidense Ronald W. Dworkin, autor do livro Felicidade artificial: o lado negro da nova classe feliz, da editora Planeta. Nesta obra, Dworkin revela que o consumo de antidepressivos e outras drogas psicotrópicas está aumentando, criando o que ele chama de felicidade artificial. Isso é, está-se formando uma nova geração de pessoas que se sentem felizes independentemente do que façam com suas vidas. Não importa como vai o emprego, os problemas financeiros ou o relacionamento: é possível ser feliz à base de pílulas, apesar de tudo.
Desde meados do século passado a infelicidade tem sido vista como uma doença. Essa tendência teve início nos EUA, quando os médicos de atenção primária simplesmente não sabiam como reagir aos problemas sociais e emocionais que eram levados aos consultórios por seus pacientes. A partir daí, sob a pressão para proporcionar alívio imediato ao sofrimento psíquico e com uma formação humanista extremamente deficiente, a estes profissionais se tornou atraente a linha de investigação que considerava as doenças psíquicas apenas segundo seus sintomas e seus aspectos mais superficiais.
Dentre todos os problemas psicológicos modernos a depressão é o caso mais emblemático. Esta é uma das doenças que mais levam ao consumo de fármacos, e segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 350 milhões de pessoas sofrem de depressão atualmente, sendo a maioria mulheres. No Brasil gastou-se cerca de R$1,8 bilhão com antidepressivos e estabilizadores de humor no ano de 2012, um aumento de 16,29% em relação ao ano anterior, colocando o país na liderança mundial de venda dessas drogas. A depressão tem sido abordada pela atual psiquiatria como uma disfunção química do cérebro, como mera falta de seratonina.
Mas segundo o psicanalista britânico Darian Leader, autor do livro Além da depressão – novas formas de entender o luto e a melancolia (Editora BestSeller), a maioria dos historiadores da psiquiatria e da psicanálise concorda que a depressão foi criada como uma categoria clínica, entre outros motivos, por uma pressão para classificar os problemas psicológicos da mesma forma que os outros problemas de saúde, o que deu nova ênfase no comportamento superficial, deixando de lado os mecanismos mais profundos, inconscientes. Na década de 1970, após divulgação dos efeitos nefastos e viciantes dos tranquilizantes mais comuns para a depressão terem sido publicados e seu mercado ter desmoronado, uma nova categoria diagnóstica foi criada – e ao mesmo tempo um remédio para ela. Como resultado, a indústria farmacêutica lucrou tanto com a idéia da depressão quanto com sua cura.
Ainda segundo Darian, existe hoje certo ceticismo em relação aos antidepressivos. Sabe-se bem que a maioria dos estudos sobre sua eficácia é financiada pela indústria farmacêutica e que, até recentemente, os resultados negativos raramente eram publicados.
O tratamento da depressão, quando vista como um “problema cerebral”, traz inúmeros riscos. A ingestão de paroxetina, por exemplo, aumenta o risco de suicídio. De acordo com a chamada “mitologia cerebral” da atual psiquiatria, no entanto, existe uma explicação bioquímica: essa substância causa apenas “pensamentos suicidas”. Dessa maneira, segundo Leader, tal explicação compartilha da crença de que nossos pensamentos e ações podem ser determinados bioquimicamente.
Isso se revela, numa análise de fundo, como um desdobramento de certa orientação filosófica do materialismo vulgar. O surgimento da psicanálise no final do século XIX foi uma resposta a essa antiga concepção, a qual hoje se reapresenta com ares de novidade. A psiquiatria não considera, em grande medida, as especificidades de cada indivíduo, e só precisa lhe ouvir no consultório para saber quais são seus sintomas mais superficiais. A psicanálise, ao contrário, deu voz ao indivíduo. Não o considera como um objeto, não o examina sob as lentes de um microscópio. A psicanálise considera a subjetividade e a história de cada indivíduo como únicas. É por isso que psicanalistas como Darian Leader defendem a necessidade de abandonar o atual conceito psiquiátrico de depressão e de considerá-la como um conjunto de sintomas que derivam de histórias humanas complexas e sempre diferentes, à luz dos conceitos freudianos de luto e melancolia. O tratamento psicanalítico da depressão busca suas causas mais profundas na história de vida do indivíduo e em seu inconsciente, não se limitando apenas aos sintomas e seus derivados.
Sem sombra de dúvidas os medicamentos auxiliam no alívio temporário do sofrimento, e são muito importantes quando seu uso é conjugado com outras psicoterapias, principalmente a psicanalítica. Sozinhos, no entanto, nunca resolvem definitivamente o problema da depressão, além de causarem efeitos colaterais e oferecerem grande risco de dependência. O mito da depressão como uma doença exclusivamente biológica é um conceito altamente lucrativo para a indústria farmacêutica, mas igualmente preocupante para a saúde pública. Como afirma Elisabeth Roudinesco em Por que a psicanálise?, não se trata de “contestar a utilidade dos medicamentos e desdenhar o conforto que proporcionam”. A questão é que eles são “incapazes de curar o homem de seus sofrimentos psíquicos, sejam normais ou patológicos. A morte, as paixões, a sexualidade, a loucura, o inconsciente, a relação com o outro modelam a subjetividade de cada ser humano, e nenhuma ciência digna desse nome escapará disso.” A psicofarmacologia, segundo Roudinesco, não faz mais do que suspender sintomas ou transformar uma personalidade, e encerrou o sujeito numa alienação ao pretender curá-lo da própria essência da condição humana.
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