O conceito
de pseudo-atividade foi inicialmente utilizado por Adorno para se referir a
atividades que, embora possuam uma aparência de autonomia, são orientadas,
direcionadas, ditadas, induzidas pela lógica de subordinação de todos os aspectos da existência humana ao capital. As pseudo-atividades
dão ao indivíduo uma sensação de autenticidade quando, na verdade, ele está
apenas se adequando a um esquema já pré-estabelecido. Um exemplo de pseudo-atividade
seriam as atividades de tempo livre ou de férias oferecidas por empresas de
turismo. O mundo administrado tem a tendência de eliminar toda espontaneidade,
de canalizá-la em pseudo-atividades. Em Resignation, Adorno irá argumentar que também ações políticas podem
se degenerar (absinken) em pseudo-atividades,
em teatro.
Resignation, de Adorno, é o último texto do filósofo
alemão, no qual ele retoma – agora no campo da política - o conceito de
pseudo-atividade. Este breve discurso, originalmente proferido em um programa
de rádio, tem como pano de fundo uma questão recorrente em sua obra: a relação
entre teoria e prática. Respondendo à acusação de “resignação” lançada contra
os integrantes da escola de Frankfurt, Adorno explica por que nunca tomou parte
em atividades políticas que ele via apenas como pseudo-atividades. Segundo esta
crítica, os pensadores da escola de Frankfurt desenvolveram, de fato, uma
teoria crítica da sociedade, mas nunca tiraram dela suas consequências
práticas; além de nunca terem fornecido um programa de ação, também nunca
apoiavam ações influenciadas pela chamada Teoria Crítica. A distância da
práxis, segundo esta crítica, é sempre mal vista, e deve-se desconfiar de quem
não queira se sujar “metendo a mão na massa”, de quem duvida da
possiblidade de mudanças na sociedade. Quem não toma parte em ações
espetaculares, violentas, e nem as apoia, este “já se resignou”.
Adorno
observa que a tão falada unidade de teoria e práxis tem uma tendência de
sobrepor a segunda à primeira. Esta tendência encontra clara expressão
nos movimentos sociais e políticos do pós-guerra, e podemos observá-la sobretudo
neste início de século. Embora a relevância da teoria seja afirmada
em palavras (“sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário”), ela
é relegada a segundo plano como improdutiva e desnecessária. Quando muito, a
“teoria” se resume a tentativas de apropriação de obras de
divulgação\vulgarização do marxismo, considerando que o edifício teórico já
está acabado, finalizado, restando agora apenas a “aplicação” da teoria sobre a
realidade. Afirma-se a relevância da teoria em palavras, mas a produção teórica
é sufocada, atropelada, asfixiada pelo volume de atividades práticas da militância. Aqueles
que enfatizam a práxis tendem a ser “leves” na teoria, além de aplicar
limitações arbitrárias ao pensamento, o que se configura como uma forma de repressão.
Muitos
movimentos denunciam, pelo contrário, o pensamento como uma forma de opressão, como se a práxis
não estivesse muito mais intimamente ligada à opressão do que o pensamento. Para
Adorno, a intolerância repressiva contra o pensamento que não está diretamente
ligado a uma aplicação prática é fundada sobre a angústia (Angst). Neste ponto Adorno faz referência a um antigo
mecanismo que os iluministas já conheciam no século XVIII, e que agora se reapresenta
inalterado: o sofrimento (Leiden) causado
por uma situação negativa, como por uma realidade bloqueada, por exemplo, se transforma
em raiva contra aqueles que a exprimem. Isso é, os teóricos, ao expressarem tais
situações, tornam-se objetos da raiva daqueles que sofrem com elas. Isso explica,
em parte, o ódio aos intelectuais. Estes, ao darem expressão consciente ao que
é apenas percebido ou sentido com medo ou angústia, tornam-se alvo de seu ódio por trazerem
este objeto a nível de consciência. Ocorre aqui como que um processo de
transformação do afeto e deslocamento do seu objeto, um mecanismo comum na vida psíquica descrito por Freud. Adorno afirma, valendo-se de algumas palavras de Habermas, que o pensamento, que é nele mesmo
esclarecimento consciente, ameaça desenfeitiçar a pseudo-realidade na qual o
ativismo se move.
Quem está
preso busca desesperadamente uma saída, e em tais situações, ou não se pensa
mais, ou pensa-se apenas sob falsos pressupostos. O hiperativismo contemporâneo
se desenvolve tendo como pano de fundo um longo período histórico sem revoluções
proletárias, sem saídas visíveis num horizonte próximo. É neste contexto de
desespero que a práxis absolutizada ganha terreno e sufoca o pensamento. “É
preciso agir, desenvolver lutas”, afirma-se. Para os pseudo-ativistas, apenas
com o aumento quantitativo das “lutas” é que se chegará a uma transformação
qualitativa da sociedade, encobrindo, assim, um pensamento mecanicista com um
manto de “lei dialética”. Parte-se para a ação, segundo Adorno, justamente pela
impossibilidade de se agir no presente momento. Este ativismo é tolerado, contudo, apenas por ser considerado pseudo-realidade.
Na
definição de Adorno, “a pseudo-atividade é, em geral, a tentativa de em meio a
uma sociedade cada vez mais mediatizada e enrijecida, encontrar enclaves de
imediaticidade. Com isso racionaliza-se que pequenas modificações são etapas do
longo caminho de transformação do todo”. O modelo fatal de
pseudo-atividade é o “Do-it-yourself”
(“Mach es selber”): aquelas atividades que há muito tempo podem ser feitas de melhor
forma com os meios de produção industrial, mas que são feitas pelo indivíduo não-livre e paralisado em sua espontaneidade apenas para despertar nele a sensação de que dependeriam de si. Um exemplo do non-sense deste do-it-yourself é o indivíduo que fabrica
ou executa reparos considerados supérfluos considerando-se a tecnologia atual existente. No plano político a pseudo-atividade é patente quando os próprios produtos da indústria cultural se encarregam em dar publicidade a pautas anteriormente consideradas subversivas, embora jamais engendrassem nenhuma contradição antagônica ou estrutural com o sistema capitalista. Isso é, a indústria cultural absorve e integra ao sistema aquilo que acreditava-se anteriormente capaz de subverte-lo.
A
pseudo-atividade rouba a autonomia ao indivíduo, de modo que o ego deve se
abolir para receber a graça de ser escolhido pelo coletivo. Tacitamente um
imperativo categórico kantiano se ergue: você deve se submeter. O sentimento de
uma nova segurança é comprada com o sacrifício do pensamento autônomo. Deve-se
acreditar que o coletivo sempre acerta, e que errar coletivamente é melhor que
acertar individualmente.
Tal
processo é facilitado aos indivíduos através de sua capitulação diante do coletivo
com o qual ele se identifica: a ele é poupado reconhecer sua impotência. Este é
o mesmo mecanismo que Adorno identificou também no movimento fascista. Através
da identificação do indivíduo com um coletivo maior que ele próprio, ele se
sente integrante de um ser mais elevado e amplo, que lhe acrescenta todos os
atributos que lhe faltam, curando-lhe de sua impotência política. Os poucos se
tornam muitos. Invertendo a acusação lançada contra a escola de Frankfurt,
Adorno afirma que é este ato, e não o pensamento resoluto, que é resignativo.
O
crescimento do ativismo virtual, por exemplo, é uma forma de pseudo-atividade,
diretamente ligada a fantasias conservadoras de autossuficiência e
independência da política. Através de nossa participação política simbólica em
petições digitais somos levados a ignorar nossa própria impotência. Diversas
outras formas de ativismo, ligadas a vários movimentos sociais, também se
caracterizam como pseudo-atividade. A pseudo-atividade é o lado subjetivo da
pseudo-realidade; é uma ação substituta, se elevando a fim em si mesma.
A pseudo-atividade política cria, ademais, uma pseudo-realidade de conquistas
políticas. Toda mobilização é vista como um “avanço”, como um “acúmulo de
forças”, mesmo que não se saiba exatamente em que direção, ou mesmo que a realidade
insista em desmenti-lo.
Uma saída
pode ser encontrada, segundo Adorno, apenas pelo pensamento. Mas não naquele
pensamento submetido ao que deve produzir e que não avança a discussão, e que
inevitavelmente degenera em tática, pois o salto na prática não cura o
pensamento de resignação. O pensar não é a reprodução intelectual do
que já existe. Quando o pensamento é reduzido a mero instrumento do ativismo,
ele se atrofia como toda razão instrumental. O momento utópico do pensamento é
tanto mais forte quanto menos ele se deixa objetivar e, consequentemente, sabotar
sua efetivação (Verwirklichung). O
pensamento, além disso, tem o seu momento de universalidade: o que é pensado
corretamente em algum lugar será, em algum outro lugar e por outra pessoa, pensado
novamente.
Referências
Band 10: Kulturkritik und Gesellschaft I/II: Kritische Modelle 3. Digitale Bibliothek Band 97: Theodor W. Adorno: Gesammelte Schriften, S. 8724 (vgl. GS 10.2, S. 794)
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