Complexo de Édipo no filme "O clone"

Foi por causa de uma questão filosófica levantada na sinopse do filme "O clone" que resolvi comprá-lo, sem nenhuma indicação anterior. E não me arrependi.

"À ton image" (ou "À tua imagem", numa tradução que considero mais elegante e pertinente do que "O clone"), é uma produção francesa que conta com o consagrado Christophe Lambert em seu elenco. Tendo como tema principal a clonagem humana, o filme tem como protagonista Mathilde, uma mulher que, segundo a sinopse, "dá a luz a si própria, mas sem nunca saber disto." Foi essa a questão que despertou meu interesse. Como seria uma pessoa dar a luz a si própria?

Vejam se isso não é interessante: como seria se eu ou você convivêssemos com uma pessoa exatamente igual a nós? Quando me lembro da criança que fui, às vezes tenho saudades dela. E essa saudade existe porque ela não existe mais. Onde está, pois, aquela criança que era eu próprio? Não sei, me parece que não existe mais.

Mas e se ela existisse agora? E se a criança que eu fui pudesse de novo existir, ao meu lado? E se aquele adolescente que fui estivesse de novo vivo, em outro corpo que não o meu? Seríamos nós rivais, amigos ou indiferentes?

São muitas as questões, mas vamos antes à sinopse do filme.

"O que aconteceria se, num futuro próximo, mulheres estéreis pudessem dar a luz a si mesmas através de seus próprios embriões? E se este futuro próximo fosse hoje? Para deixar um passado sofrido e um terrível senso de culpa para trás, uma jovem estéril vai ao extremo para conseguir ter sua filha, incentivada por seu marido obstetra. O rápido crescimento da criança é anormal e ela se torna uma cópia perfeita de sua mãe, substituindo-a gradualmente no comando da família. Uma espiral diabólica inspirada no tema da clonagem. Uma história nunca vista de uma mulher que dá a luz a si própria mas sem nunca saber disto."

Apesar da temática apresentada na sinopse ser muito interessante, o que mais me chamou a atenção no filme não foi o tema da clonagem, mas sim os conflitos familiares que no filme são atribuídos a essa experiência.

Essa jovem que dá a luz a seu clone é a Mathilde (que já apresentamos), e sua filha se chama Manon. À medida que cresce, Manon tenta tomar o lugar da mãe no triângulo familiar. Ela se torna uma rival insuportável para a mãe, e se apaixona pelo seu próprio pai.

O nome disso na psicanálise é Complexo de Édipo. Foi esse o aspecto do filme que mais me chamou a atenção e que abstraí para essa análise.

Na minha opinião, o que deixa o filme tão intenso é justamente esse conflito familiar. No entanto, o conflito psicológico é secundarizado pelo tema da clonagem, assim como o mito grego de Édipo o coloca em segundo plano como mero acidente provocado pelo destino (ou fado), que é o foco consciente da obra. Foi só com Freud que o sentido inconsciente deste mito foi revelado, e o mesmo se passa com "O clone".

À medida que o relacionamento entre mãe e filha vai piorando, é legítimo perguntar: seria esse conflito familiar causado apenas pela constituição genética de Manon, que é um clone da mãe? É tentando responder a isso que começamos a perceber a rivalidade própria do Complexo de Édipo que, neste caso, é só mais evidente do que costuma ser. Ou seja, esse conflito não é mero efeito dos genes, mas é parte de toda família. Mas até onde a clonagem acentuou isso é o que resta saber.

Em uma das diversas discussões entre filha e mãe, Manon, já adolescente, diz a Mathilde que é apenas ela própria, só que mais nova, mais bonita, mais sexy e sem a morte do filho na consciência (pois Mathilde já havia perdido um filho). Freud já havia colocado essa questão, afirmando que muitas das rivalidades entre pais e filhos adolescentes se devem a uma comparação inconsciente que os primeiros fazem entre sua própria adolescência e a adolescência dos seus filhos. E quando a situação dos filhos é melhor do que foi a deles, a rivalidade é ainda mais intensa.

Aqui volta então aquela questão que colocamos no início: seríamos nós insuportáveis rivais de nós mesmos, se pudéssemos existir ao nosso próprio lado, só que mais jovens?

O filme acentua ainda mais a questão do Complexo de Édipo através do relacionamento entre Manon e seu pai, Thomas (Christophe Lambert). Manon se apaixona completamente pelo pai, e no ápice dessa tensão, estando ela já adolescente e com corpo de moça, ela marca um encontro com ele, se passando por sua mãe ao telefone (a voz era muito parecida). No local, ela seduz o pai e tenta fazer sexo com ele. Thomas quase cedeu, e só sentiu repulsa quando o convite ao sexo foi feito abertamente.

Este filme, além de colocar questões filosóficas interessantes em relação à clonagem humana ("se um clone humano realmente existisse, até que medida ele seria uma extensão do dono de seus genes?"), apresenta de forma impactante o Complexo de Édipo e todas as suas tensões e rivalidades. Se você gosta de filmes fora do eixo hollywoodiano e que levam mais a refletir do que a divertir, acho que "O clone" é uma boa indicação.


2/Deixe seu comentário

  1. Também tenho esse filme e foi justamente o Édipo que mais me chamou atenção na história. O interessante é que Mathilde percebe o que se passa, é humilhada várias vezes por Manon, mas não toma nenhuma providência, é passiva. Depois de descobrir que a filha é seu clone ela entra em choque, fica paralisada, um filme muito bom mesmo!

    ResponderExcluir
  2. Fiquei curiosa pra ver... vou procurar assistir. Você escreve muito bem, parabéns bjs

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem