No texto anterior ensaiamos que algumas das prováveis causas de uma "baixa" ou de um "enfraquecimento" da atuação do ego e do superego na atividade psíquica do motorista ao volante podem ser as falsas sensações de segurança e de invisibilidade.
No entanto, isso não explica tudo. Percebemos um comportamento agressivo e também inconsequente mesmo quando essas falsas sensações parecem não estar presentes, e me refiro aqui especificamente ao caso dos motoqueiros.
O condutor de uma motocicleta está numa situação completamente oposta à do condutor de um veículo. Ele está completamente exposto a acidentes e não pode ter nenhuma expectativa de privacidade. Mas sua imprudência, todavia, é notável.
Nestes, mais do que naqueles, a predominância do princípio de prazer é ainda mais evidente, dado que uma conduta racional de seu veículo, baseada nas probabilidades de uma fatalidade em caso de acidente resultaria em um comportamento totalmente avesso ao que presenciamos em nossas ruas e avenidas.
O que parece concorrer para este tipo de comportamento é uma outra forma de invisibilidade. O trânsito é formado por uma multidão de anônimos, onde ninguém conhece ninguém. Os motociclistas, devido à sua maior fluidez no tráfego, são as maiores incógnitas deste espetáculo.
Além desse tipo de invisibilidade há um outro ponto que podemos visualizar melhor através de uma representação. Imaginem uma pessoa diante de um cachorro perigoso que está preso e atrás de grades. Essa pessoa grita, bate o pé, bate palmas e irrita o cachorro de toda forma possível. Agora imaginem, diante dessa mesma pessoa, este mesmo cachorro, mas livre e sem as grades. Adivinhem o seu comportamento.
Quando um revide é pouco provável a maioria das pessoas não se comporta da mesma maneira do que quando isso é uma possibilidade. Voltamos aqui então na questão da invisibilidade, na questão do anel de Giges abordado no texto anterior. O anonimato no trânsito é uma forma de invisibilidade, e esse anonimato é ainda mais acentuado para os motoqueiros devido à sua maior capacidade de fluidez entre os veículos.
Essa maior fluidez parece lhes dar a sensação de não ocupar lugar no espaço, daí sua direção agressiva ao trafegar em estreitos becos formados por veículos em movimento e suas lendárias "fechadas", que parecem não levar em conta sua fragilidade e o alto risco de fatalidade em caso de colisão.
Freud afirma que onde hoje pedimos alguém licença para passar, antigamente lhe dávamos um empurrão para que saísse de nossa frente. Este "antigamente" se refere a quando tudo era id, quando não havia ego. O princípio de prazer é demasiado evidente na conduta dos motoristas. Onde eles deveriam esperar, eles querem passar na frente, e quando um revide parece improvável devido ao anonimato ou à própria capacidade de fluidez no trânsito este comportamento encontra menor resistência para expressão.
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