Muita gente me pergunta, ao ouvir algumas de minhas posições teóricas, se eu "acredito" nelas. Uma das perguntas que ouço com mais frequência é se eu "acredito" em Freud.
Vamos parar por um minuto e esclarecer uma coisa: Freud não é um concorrente de Jesus Cristo, Krishna ou outro deus. Não se "acredita" em Freud como se fosse algo semelhante a acreditar em espíritos ou em alguma outra coisa sem evidência.
Eu vejo duas razões que possibilitam o surgimento desse tipo de questionamento: a primeira é uma mentalidade estritamente religiosa, acostumada a interpretar o mundo aquém dos limites da religião, da crença, da fé. A segunda é uma consequência do próprio pensamento de Freud, que não é óbvio ou aparente ao homem comum, principalmente por lidar com conteúdos inconscientes, com aquilo que o homem sempre quis esconder de si próprio.
Teorias postuladas por Freud, como o Complexo de Édipo, por exemplo, não são observáveis pelo homem comum sem algum treino, sem alguma prática e, na raiz disso, sem muita leitura. Daí o homem comum achar "absurdas" tais teorias freudianas e pensarem que isso é "objeto de fé", que não se pode aceitar racionalmente ou intelectualmente tais posições.
A ciência trabalha com modelos. Quando falamos sobre o átomo, não nos referimos a algo que sabemos existir. Alguém já viu um átomo? Não, pois ele não é observável. Como sabemos que o átomo existe? Não sabemos. A questão é que o modelo atômico é apenas um modelo utilizado para explicar a realidade física, material, mas que tem, no entanto, se mostrado extremamente eficiente através dos séculos. Mesmo assim, é bem possível que o átomo não seja mais que uma "ficção útil". Essa é uma interessante questão da Filosofia da Ciência.
O que ocorre com as teorias de Freud é algo semelhante. Quando ele postula uma topografia hipotética do aparelho psíquico dividida no inconsciente, no pré-consciente e no consciente, no qual se situam as instâncias psíquicas do id, do ego e do superego, o que ele faz é criar um modelo. A mente humana não é observável. Se abrirmos a cabeça de alguém iremos observar seu cérebro, não sua mente.
Em seu trabalho como médico Freud desenvolveu aos poucos um método de tratamento das neuroses e, juntamente com esse método, foi desenvolvendo um modelo do funcionamento da mente humana, o qual se mostrou muito eficiente não só para curar as neuroses, mas também para explicar sua etiologia, o desenvolvimento humano da infância à fase adulta, a cultura, a religião, a arte, etc.
Mas se o id, o ego e o superego realmente existem nós não sabemos, assim como não temos mais certeza de que o átomo existe. Mas o modelo desenvolvido por Freud explica sem paralelos o funcionamento da mente humana, e suas teorias foram desenvolvidas em plena articulação com a prática clínica, não sendo frutos de mera especulação intelectual. Foi dessa prática que Freud observou, criou modelos, hipóteses e os submeteu à prova para os validar ou corrigir.
Dessa forma, não se "acredita" em Freud. Eu não "acredito" em Freud. A questão é que ele desenvolveu um excelente modelo do funcionamento da mente humana, o qual se mostrou extremamente eficiente no tratamento das neuroses e nas posteriores aplicações da Psicanálise, e o reconhecimento disso não se dá através de um ato de "fé", mas de razão.
rrsrsrsrs,
ResponderExcluirInteressante como voce fez da nossa conversa um fragmento. Admoesto que uma dessas pessoas que perguntou fui eu!
Estas em um bom caminho amigo.
Abracos de Miller A. Matine
Adorei o texto, apesar de eu ter um pé atrás com Freud.
ResponderExcluir"... A questão é que ele desenvolveu um excelente modelo do funcionamento da mente humana, o qual se mostrou extremamente eficiente no tratamento das neuroses e nas posteriores aplicações da Psicanálise,..."
ResponderExcluirSegundo o historiador norte americano Frank Sulloway, dos seis casos mais documentados dos pacientes de Freud, nenhum deles foi de fato curado. Portanto, não se pode dizer que o modelo de Freud foi eficiente no tratamento das neuroses. E isto coloca em xeque a validação da sua teoria.
Espero que este historiador tenha fôlego para tentar desconstruir não só os casos clínicos de Freud, mas 100 anos de psicanálise e provar o contrário de minha asserção. Só assim ele pode ser levado a sério.
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