Martin Claret: pura picaretagem editorial?

Em praticamente qualquer livraria que se entre hoje lá está uma seção com dezenas e dezenas de títulos da Editora Martin Claret. Ainda me lembro do primeiro livro que comprei dessa editora, que foi o "Manifesto do Partido Comunista", de Marx e Engels, há uns 10 anos. Eu havia lido uma outra edição que minha professora de História no 3º ano do Ensino Médio havia me emprestado, e essa leitura mudou a minha vida. Quando lhe devolvi o livro, quis comprar uma cópia para mim, e descobri então a Martin. A partir disso comecei a comprar mais e mais de seus livros, porque poucos além deles estavam dentro do meu poder de aquisição na época.

Mas só muito tempo depois comecei a observar os aspectos editoriais dos livros em geral, pois até ali minha preocupação sempre esteve voltada somente para o conteúdo. Foi quando um colega de turma chegou a comentar, em tom de reclamação, que um livro didático que usávamos na faculdade tinha nas referências bibliográficas um livro da Martin Claret. Como nessa época eu já tinha mais de 20 volumes dessa editora, quis saber mais sobre o assunto, e o que descobri foi surpreendente: a Martin Claret já havia sido processada por plágios de traduções, além de ser acusada de vários outros casos ainda não confirmados.

Algo realmente muito estranho nos livros de literatura estrangeira que a Martin Claret publica é o fato de que os tradutores quase sempre são os mesmos. Há um tal de "Pietro Nassetti", por exemplo, que traduz obras do grego, do alemão, do francês, do inglês, etc. É inevitável que não surja pelo menos a suspeita de que a Martin está se valendo da obra de outros tradutores e assinando como esse misterioso senhor "Nassetti".

Eu digo "suspeita" porque talvez sou bonzinho demais. Para o blog "Não gosto de plágio", que é um blog especializado em picaretagens editoriais, não há mais "suspeita" sobre isso, mas sim fatos puros.

Mas em toda essa confusão, a questão é: qual é o problema com o plágio? Apenas o espólio dos tradutores? Ou também a qualidade comprometida da obra? Penso que os dois. Mas meu posicionamento na questão é que eu não vou deixar de comprar livros da Martin Claret quando isso for possível. E vou explicar por qual razão e em quais situações.

Nem tudo que a Martin Claret lança é picaretagem. As edições da "Divina comédia", de Dante, e do "Fausto", de Goethe, por exemplo, já tinham suas traduções em domínio público quando lançadas pela Martin. Ninguém está sendo lesado nesses casos. Há também traduções cujo copyright pertence à própria editora, como da obra "A ideologia alemã", de Marx e Engels, que foi efetuada por Frank Müller. Mas se a tradução é do tal "Pietro Nassetti", aí eu já fico com um pé atrás e procuro outras edições. A mudança de atitude que tive então foi verificar antes da compra quem é o tradutor da obra.

Mas por outro lado, eu não quero aqui apenas criticar a Martin Claret. Eu realmente acho que eles têm feito um grande trabalho para democratizar e popularizar a leitura em nosso país. Nas primeiras páginas de seus livros sempre há um texto informativo sobre a missão, visão e valores da empresa, no qual eles admitem que se utilizam de meios ortodoxos e "heterodoxos" para comercializar suas obras. O que eu fico pensando é se esses meios "heterodoxos" não são mesmo uma ação consciente sobre a indústria editorial brasileira que realmente não parece se importar com a instrução das classes mais baixas, resguardadas algumas exceções.

Livros no Brasil são caros. Às vezes fica mais barato importar um livro em inglês do que comprar sua versão traduzida em português. Só pra citar um exemplo, eu tenho vários livros de Freud em inglês, pois fica muito mais barato importar (mesmo pagando frete internacional) do que pagar pelo livro aqui no Brasil. Mas e quem não é fluente em inglês, ou não consegue ler um livro inteiro em outro idioma, como é que fica? Vai à biblioteca pública? E se muita gente resolvesse fazer isso, haveria exemplares disponíveis? E nos lugares em que não existe biblioteca? Será que o indivíduo não pode construir seu acervo particular em casa se não tiver dinheiro? O capital é intermediário no acesso à cultura e à informação? Talvez esse seja um daqueles casos não de avaliar se estamos jogando de acordo com as regras, mas sim de questionar as próprias regras do jogo.

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  1. prezado glauber, muito interessantes e importantes as questões comentadas.
    gostaria apenas de dizer que o nãogostodeplágio não é "especializado" na claret - ali já abordei plágios de oito editoras diferentes, e considero a nova cultural como a "grande pioneira" desses plágios em escala industrial. o problema é que a martin claret aparece com maior frequência simplesmente porque é ela que tem, de longe, a maior quantidade de edições com plágios, contrafações, irregularidades várias.
    quanto à questão do preço, dediquei alguns posts ao tema: o mito do preço, o preço do mito e outros mais.

    seu post é realmente muito rico de questões, e não caberia comentar aqui. só gostaria de dizer que, a meu ver, o pior problema do plágio, além de mil outros aspectos vergonhosos, é a ignorância que vai sedimentando entre os leitores, a desmemória de nossa tradição cultural. são estes os pontos em que se concentra o nãogostodeplágio. pediria a você que desse uma olhada, a título de exemplo, em dois posts meus, "vulpina alma sem pejo" e "tira diploma". ou também os posts sobre as traduções de monteiro lobato ou de eça de queiroz plagiadas pela martin claret. entende? as pessoas nem sabem mais que estão lendo eça - pensam que estão lendo, sei lá, pietro nassetti!
    mas parabéns por colocar vários problemas com tanta clareza. uma hora comentarei no nãogosto, num post específico.
    um abraço,
    denise

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  2. Anônimo6:59 PM

    Outra coisa: e quando se vai à biblioteca pública e esta não possui o livro procurado?

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  3. Comprei uma edição com 3 obras de Jane Austen da Martins Claret e já no site de compra, nos comentários, alguém criticava a tradução da obra (Submarino)... depois, entrei num site especializado sobre Austen perguntando sobre a tal edição e a dona disse que não comprava nada da Martins Claret nem conhecia o tradutor, Roberto Leal Ferreira - tem uma página dele na internet, com várias referências de traduções, parece confiável.
    E agora li o teu post e fiquei mais confusa ainda - estou lendo Austen pela primeira vez e queria começar com o pé direito - será que realmente a editora é picareta e/ou as traduções são ruins?

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  4. Caro Glauber,
    A Martin Claret gostaria de esclarecer algumas questões apontadas no seu texto. Postamos um esclarecimento em nosso blog a respeito desse problema envolvendo as traduções do Sr. Pietro Nassetti: http://martinclaret.blogspot.com/2011/10/uma-questao-polemica-plagios-de.html
    Quanto a ter sido processada de plágio, apesar do que se afirma na rede, gostaríamos de esclarecer que nada foi provado contra a Editora. Além disso, quando ciente do problema do Sr. Nassetti, a Martin Claret regularizou a situação. Quanto ao Sr. Pietro Nassetti ter traduzido de vários idiomas, isso também é uma incorreção, ele traduzia do italiano (sua língua mãe), do inglês e do francês apenas. Essas obras do grego, do alemão e do latim foram traduzidas de edições francesas.
    De qualquer modo, lamentamos muito essa situação e, já que não podemos mudar o passado, vamos investir no futuro: estamos trabalhando em diversas novas traduções e na qualidade editorial: http://martinclaret.blogspot.com/2011/09/martin-claret-de-cara-nova.html
    Esse processo todo foi importante para nós na medida em que pudemos rever alguns processos, buscar novos profissionais e investir mais na qualidade de nossas publicações.

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    1. O problema não è do "senhor Nassetti", que ninguém nunca nem confirmou que exista, mas da Martin Claret. Se vocês foram enganados por um tradutor inescrupuloso, como querem fazer parecer, porque não publicam a biografia dele, como fizeram com outro tradutor aí embaixo? E a de Jean Melville? De Boris Popov? Com fatos verificáveis, que tal?
      Os plágios podem ser comprovados por qualquer um que compre A Metamorfose na Claret e na Companhia das Letras, por exemplo, só para citar um fácil de achar. Também tenho o original dos Irmãos Karamazov que vocês copiaram.
      Se vocês querem que alguém compre essas novas traduções, o que eu nunca faria, pelo menos tenham o caráter de admitir que ninguém constrói o catálogo inteiro em cima de plágios por acidente.

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  5. Vera, quanto à sua questão a respeito das traduções do Roberto Leal Ferreira, gostaria de informá-la de que muito do que se afirma sobre a Editora é mito. Roberto Leal Ferreira é um profissional muitíssimo qualificado (veja: http://transrlf.sites.uol.com.br/curric.html ): entre outros aspectos de sua formação, ele cursou Grego e Português na FFLCH/USP; Linguística no IEL/UNICAMP; Filosofia no Departamento de Filosofia da FFLCH/USP; pós-graduação em Filosofia Contemporânea no IFCH/UNICAMP. Além disso, ele é tradutor de uma série de obras para outras editoras, como a Martins Fontes, a Loyola, a Vozes, a Editora da Unicamp, entre outras.

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  6. Caro Glauber, visitei seu blog e logo esbarrei no assunto controverso sobre plágios editoriais e a Martin Claret. Suas colocações são lúcidas e válidas. Porém, cabe um esclarecimento. É preciso compreender que temos poucos leitores no país. Portanto, são as tiragens são insuficientes para obtermos valores mais acessíveis. Livros traduzidos – e portanto editados no exterior – têm valores mais baixos porque a tiragem é muito maior. Troca-se apenas, na maioria dos casos, o filme preto do texto pelo idioma local. Quanto maior a tiragem, menor o custo unitário. Trabalho há anos no setor editorial, é posso afirmar que a margem de lucro das editoras dificilmente chega a 20% do preço de capa. Em geral, recebem o mesmo que o autor (cerca de 10%). Na verdade, são as livrarias – especialmente as megastores – que abocanham mais o nosso suado dinheirinho. Algumas delas chegam a exigir 60% ou mais da valor de capa de uma obra. E ainda não compra os exemplares que oferecem em suas prateleiras. O material está em consignação. Se não vender, os livros empacados são simplesmente devolvidos. Ou seja, se uma editora qualquer consegue realmente produzir obras a preços módicos, cabe especular de que maneira dá conta da logística e quanto remunera seus colaboradores (designers, capistas, ilustradores, tradutores etc). O buraco é sempre mais embaixo.

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  8. Mauricio, muito bem colocada a sua observação, poucas pessoas conhecem essa realidade.
    No entanto, já trabalhei e prestei serviços para diversas editoras e sei que algumas coisas quanto ao estilo mais ou menos luxuoso de uma publicação recai diretamente no preço. No Brasil, a maior parte do público leitor faz parte das camadas mais abastadas da sociedade, por isso, as editoras investem em edições mais luxuosas.
    A Martin Claret trabalha, principalmente, com livros de bolso, ou pocket books, assim, a simplicidade nos projetos gráficos (em comparação com edições mais luxuosas), o formato e aproveitamento do papel, os pontos de vendas com os quais trabalhamos, entre outras coisas, garantem os nossos preços mais baixos, módicos apenas se comparados com a maior parte das obras do mercado, porém dentro da faixa de preço de livros do mesmo estilo. (Taís Gasparetti)

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