Moralidade sem Deus é possível?

Uma determinada ação é imoral porque Deus a proíbe? Ou Deus a proíbe porque ela é imoral?  Algumas pessoas afirmam que a moralidade depende totalmente da religião ou da idéia de Deus, e que é impossível ser moral sem fazer referência a esses conceitos. Mas vamos pensar um pouco sobre isso. 

Se Deus lhe ordenasse matar uma pessoa inocente, essa ação seria moral ou não? Ao esboçarmos uma resposta para a questão, acabamos encontrando a forma positiva da pergunta com que iniciamos este texto: Deus ordena algo porque é moral, ou algo é moral simplesmente porque Deus ordena?

Com frequência argumenta-se que sem um referencial absoluto como Deus, a moralidade se torna relativa, pois qualquer moralidade é moralidade de alguém, e não há razão para um determinado grupo se submeter à moralidade de outro a não ser pela força ou pela utilidade.

Mas a ausência de uma moralidade absoluta não significa necessariamente a ausência de qualquer moralidade. Observamos no homem uma moralidade intrínseca, por exemplo, quando os próprios religiosos avaliam a religião. Quando questionados sobre os terríveis atos cometidos em nome da religião por seus correligionários fanáticos e extremistas, muitos religiosos argumentam dizendo que a verdadeira religião não é aquilo perpetrado por seus companheiros, e que tais atos são um desvio daquilo que deveria ser. Mas notemos que ao responder assim, esses religiosos estão utilizando a moral para julgar a religião, ao invés de usar a religião para estabelecer a moral.

Mas os religiosos poderiam argumentar: de onde surgiu então o senso moral, o sentimento de culpa, se não foram impostos no homem por Deus? Quanto a isso, a explicação freudiana do superego como instância psíquica responsável por nosso senso ético, formada pela introjeção do pai repressor é uma explicação plausível e que, baseada num princípio de economia como a navalha de Ockham, explica melhor a questão por não postular a existência de entes desnecessários.

A moral niilista pode certamente encontrar sérias incoerências ao tentar se estabelecer por carecer de fundamentos sólidos e absolutos. Mas a ausência de Deus ou da religião, a meu ver, não implica necessariamente em pura imoralidade.

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  2. Se não me engano esta foi exatamente a temática do debate entre Sócrates e Eutifron, não é?

    Bem, quando uma pessoa diz que "sem Deus não existiria moralidade" ela não está querendo dizer que a crença em Deus simplesmente desapareceria caso as pessoas deixassem de acreditar em Deus. De fato, as pessoas ateístas e agnosticas são em muitos casos muito mais morais que as religiosas

    Quando alguém argumenta que sem Deus não haveria moralidade, ela está dizendo que sem Deus não poderia haver o senso de responsabilidade moral que temos, uma vez que sem Deus seríamos apenas um "acidente de percurso" na existência, sem responsabilidade alguma. Se Deus não existe quem vai cobrar de nós sobre nossos desvios morais? Você só tem a responsabilidade de digitar um documento se você for empregado de alguém...

    Caso Deus não existisse, dizem os argumentadores, cada clã elaboraria seu próprio senso de moralidade ao longo do processo de evolução (se é que elaboraria algum, uma vez que a seleção natural se dá através do egoísmo e da competição, do "sobreviva o mais forte e adaptado") e assim não haveriam absolutos que serviriam de parâmetros para analisar hipóteses divergentes.

    Se não existir um absoluto, questionou certa vez Lewis, como é possível dizer que os nazistas estavam absolutamente enganados ao massacrar milhões de judeus?

    Mas... acredito que você já esteja bem familiarizando com esta discussão rsrs

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  3. Olá Eliel,

    Pois é, este "senso de responsabilidade moral" pode ser explicado pelo superego freudiano, que é a introjeção do pai repressor e que nos pune com o sentimento de culpa sempre que fazemos algo que julgamos errado. E esse código moral transmitido pelo pai pode também ter tido sua origem meramente no utilitarismo, no contrato social.

    Eu estou ciente de que sem um referencial absoluto (como Deus), a moralidade pode se tornar relativa, mas não necessariamente.

    Basta lembramos, para isso, que sob o categórico imperativo de Kant, podemos afirmar de maneira absoluta que o que Hitler fez é imoral.

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  4. parafraseio por completo pensamento de Glauber em detrimento do Eliel. Ate porque a analogia segundo a qual "Você só tem a responsabilidade de digitar um documento se você for empregado de alguém..." não é feliz nesta temática, basta lembrarmos a máxima de Nietzsche: “ se só são morais as acções que nós praticamos em função dos outros (do patronato), então não há acções morais.
    Até porque Eliel viola o principio de não contraridiçao: admite e não admite que Glauber tem razão. Reparem bem na passagem que ele afirma “as pessoas ateístas e agnosticas são em muitos casos muito mais morais que as religiosas”. me dara razao quem tiver olhos que olham o longinquo!

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  5. Glauber,
    Eliel está argumentando sobre o senso de responsabilidade moral, que pode ser explicado em termos puramente naturais e materialistas, uma vez que podemos aceitar que a durante o período que chamamos: adaptativo social, o homem teve de restringir e pensar suas ações, para que a vida em comunidade fosse possível.
    Mas o senhor Glauber não pode ignorar que são duas coisas distintas o senso de responsabilidade moral, e a justificação para a moral.
    Ser um ser moral pode refletir em retorno adaptativo, mas quando fere a minha sobrevivência - então entro no ponto do altruísmo - o que pode justificar que eu devo ser moral mesmo quando não me convém?
    Existe uma justificação para a existência da moral?
    Eu diria que sim.
    Mas quando a questão é: Existe uma justificativa para a moral?
    Eu sinceramente não sei responder, mas devo dizer que são coisas distintas, em planos diferentes.
    Perdoe-me senhores, sobremaneira o senhor Glauber, mas devo confessar que o Glauber tem questionado deveras as pressuposições religiosas - o que é bom -, mas tem aceitado as de Kant, Hegel, Marx, Sartre e outros filósofos que sabemos, podemos oferecer respostas razoáveis.
    Digo com todo o respeito,

    Este, que é seu,
    Marcus.

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  6. Santo Cristo! Às vezes fico com medo de comentar aqui, viu!Vcs são ótimos!Bem,adorei o trecho "Deus ordena algo porque é moral, ou algo é moral simplesmente porque Deus ordena?"

    Muita boa sorte!

    Bruna Geovanini Varniër

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  7. Anônimo5:49 PM

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  8. Acredito que o Superego e os componentes psicomotores sejam explicações insuficientes para forjarmos uma moralidade sem a transcendência unitária de algo (não precisa ser necessariamente um deus monotéico, mas alguma referência inequívoca de unidade axiológica e ilesa de subjetivismo). Afinal, como bem mostrou Lawrence Kohlberg com base na teoria piagetiana, nem tudo o que é psicologicamente natural a nós é materializado na praxes da convivência social, e os valores éticos não fogem disso (do contrário, não haveria pessoas com índoles boas ou más).

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