Sêneca e a brevidade da vida

Hoje, talvez mais do que em outras épocas, os inúmeros esforços e sucessos da medicina para aumentar nosso tempo de vida parecem deixar claro pelo menos uma coisa: se pensamos em prolongar nossa existência, é porque achamos que o tempo a que estamos destinados a viver é insuficiente. Mas por qual razão? Será que a natureza errou, nos fazendo viver tão pouco?

O filósofo romano Sêneca (séc. I), em sua obra A brevidade da vida, afirma, contrariamente, que o homem vive tempo suficiente, desde que saiba como viver. Para ele, "bastante longa é a vida e suficiente para levar a termo os maiores empreendimentos, desde que bem utilizada [...] Ela é suficientemente extensa para quem dela sabe dispor de modo adequado."

De uma forma geral, a mensagem de sua obra é que o verdadeiro tempo de vida de cada um é aquele tempo que se dedicou a si próprio para proveito interior, como na reflexão, isso é, no diálogo do sábio consigo mesmo. Para saber o quanto alguém viveu, peça-lhe para calcular quanto tempo ele gastou com os outros. O que restar, é o tempo que ele realmente viveu.

Sêneca aponta para o fato de que as pessoas estão sempre ocupadas demais. E essa ocupação é sempre com os outros. O comerciante está ocupado com seus fregueses, o advogado com seu cliente, o médico com seu paciente. "Enfim, ninguém pertence a si mesmo. Cada um se desgasta em atender a outrem."

Os homens esbanjam o seu tempo como se ele fosse retirado de uma abundante fonte, como se fossem viver eternamente. Não percebem que seu tempo é o que têm de mais precioso, e ninguém nunca sabe quanto ainda tem de tempo para viver. Perdem seu tempo com futilidades, quando o mais sensato seria administrar bem aquilo que ignoram o momento em que lhes irá faltar.

Nosso filósofo observa que "os homens não admitem que alguém confisque suas propriedades. Quando ocorre o menor conflito em torno dos limites, já recorrem às pedradas e até às armas." Isso é, os homens "demonstram-se zelosos na manutenção do patrimônio, porém, em se tratando de perda do tempo, manifestam-se plenamente pródigos, quando é o único bem para o qual a honestidade exige avareza."

E o homem, assim, dispendendo o seu tempo sempre aos outros, se torna extremamente atarefado. Está sempre ocupado. E disso se segue que as pessoas não vivem, pois "o que menos faz um indíviduo atarefado é viver."

A ciência do bem viver, ao contrário, deve ser encontrada no ócio. No entanto, o termo "ócio" tem um diferente significado para Sêneca. Tendemos a ver o ócio de forma pejorativa, porque o ócio não "produz", não gera receita, não gera consumo. Mas o ócio para Sêneca é o afastamento das atividades públicas, é o recolhimento longe da turba, longe da multidão. O verdadeiro ócio é o recolhimento em si mesmo para a reflexão. Ficar à toa, deitado, vendo televisão ou lendo fofocas não é ócio, para Sêneca. Isso é uma ocupação desidiosa, uma atividade fútil. Indivíduos que se dedicam a tais tarefas não desfrutam de repouso, e Sêneca diz que os podemos chamar de "enfermos" e "mortos". O verdadeiro ócio, o ócio virtuoso e desejável é a reflexão filosófica.

Assim ele afirma que "de todos os seres humanos, os ociosos de verdade são os que se dedicam à Filosofia. Esses são os únicos que vivem."

A filosofia nos leva às causas primeiras da realidade. Ela nos leva a refletir sobre o ser. A filosofia nos leva além de nós mesmos, rompendo as fronteiras do céu pelo pensamento, ao transcendente. E essa reflexão é que nos trará a ciência do bem viver, e fará com que nossa vida não seja breve, mas suficiente. "Eis a única maneira de dilatar nossa vida mortal, a saber, conectá-la com a imortalidade."

Devemos viver o presente. O passado é irrevogável, e o futuro, incerto. Se é prudente planejar o futuro, não podemos nos esquecer no entanto que "o maior obstáculo para a vida é bem essa expectativa que depende do dia de amanhã em prejuízo do dia de hoje." Temos apenas o presente para viver, e não podemos deixar que nos furtem aquilo que não sabemos o quanto ainda temos. Para o bem viver, o filósofo nos aconselha: "reserva um pouco de tempo para ti".

Sêneca nos adverte que "ao avistar alguém com rugas e cabelos brancos, não devemos dizer que ele viveu muito. Não, ele não viveu muito. Apenas durou bastante." 

E essas suas palavras encontram eco muitos séculos depois, na obra "Emílio", do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau: "O homem que mais viveu não é o que conta maior número de anos, mas o que mais sentiu a vida."

1/Deixe seu comentário

  1. Belo texto. Estava refletindo sobre esta questão esta semana lendo o livro de Eclesiastes da Bíblia.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem