Sobre o trabalho honesto


Indiscutivelmente o trabalho honesto é considerado uma virtude. Enaltecemos a honestidade com que um indivíduo executa a sua função, como também a sua própria natureza, quando justa. Isso é, parece-nos honroso que um indivíduo se dedique a uma atividade que seja honesta e justa por si mesma, e que o exercício dessa atividade seja da mesma forma justo.

No entanto, pensamos na honestidade quase sempre em termos do indivíduo somente - isso é, se ele age ou não de forma honesta dentro daquilo que ele foi designado a realizar. Mas há um outro tipo de honestidade em que comecei a refletir que não é, de forma alguma, menos importante que a honestidade enquanto dever moral individual. É a honestidade das relações de trabalho.

Por ser às vezes mais difícil pensar nossa própria época do que épocas passadas, nos imaginemos no século XVIII, em plena revolução industrial, quando trabalhadores passam até 16 horas dentro de uma fábrica exercendo suas funções em troca de um salário miserável. Vamos nos aproximar de um desses e lhe perguntar: "Seu trabalho é honesto?".

Nos parece muito claro, quando pensando fora de nosso próprio tempo, que por mais honesto que seja o indivíduo, a relação de trabalho a que ele está submetido faz com que o seu trabalho não seja, de forma alguma, honesto. O trabalhador poderia talvez apenas nos responder: "Eu sou honesto".

Um trabalho não é honesto apenas pela maneira como ele é conduzido pelo indivíduo. Ele deve ser honesto tanto em si quanto na relação que estabelece entre indivíduos. Trabalhos que se baseiam na exploração de pessoas não podem ser considerados honestos, pois não são, em nossa concepção, justos. O que existe nesses casos são indivíduos honestos dentro de relações de trabalho desonestas.

Esse viés foi muito bem expresso por um trecho da música "Fábrica", da Legião Urbana, do álbum "Dois", de 1986. Nessa letra, Renato Russo faz uma leve crítica à exploração capitalista (tanto do homem quanto da natureza):
"Quero trabalhar em paz
Não é muito o que lhe peço
Eu quero trabalho honesto
Em vez de escravidão"
O que o trabalhador pede aqui ao seu patrão, capitalista, explorador, é um trabalho honesto. Nota-se presente aqui, de forma implícita, o conceito de que a prática do trabalho honesto não é algo que depende unicamente do indivíduo trabalhador, mas também da relação de trabalho.

Quando transportados anteriormente ao século XVIII, pudemos perceber que há uma diferença entre "indivíduos honestos" conduzindo seu trabalho e "trabalho honesto" propriamente dito. No entanto, devemos agora pensar a nossa própria época, avaliar as relações de trabalho em nosso contexto e refletir, a partir desse aspecto também, sobre a "honestidade no trabalho".

Mesmo que essa relação esteja conforme parâmetros legais (assim como era legal trabalhar 16 horas por dia na revolução industrial), ela é, ainda assim, honesta? É possível que o trabalhador garanta sua subsistência apenas com o seu próprio trabalho? Sua jornada de trabalho lhe permite ter tempo com sua família, se dedicar à leitura, às artes, ao esporte, ou apenas sobreviver? Seu trabalho lhe permite ser integralmente humano? Ao tentar responder a essas questões, veremos que a honestidade no trabalho vai muito além do que apenas a honestidade do empregado.


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  1. hummmm, um blog interessante entre um taaanto que não presta! depois vou ler com mais calma ^^

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  2. "Sua jornada de trabalho lhe permite ter tempo com sua família, se dedicar à leitura, às artes, ao esporte?"

    a família a gente vê no café da manhã e no jantar, a leitura é de jornal 'super', a arte é do grafite que apareceu no muro da casa recem pintado, o esporte é correr atrás do ônibus, e a arte é ainda estar sorrindo no final do dia! ^^

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  3. Concordo com Morgue e Morgana... "não é muito o que lhe peço... quero trabalho honesto em vez de escravidão..."

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