Trote no Direito da UFMG - o que Freud diz sobre as "brincadeirinhas"


Foi causa de repúdio geral o trote ocorrido na Faculdade de Direito da UFMG na semana passada. A ampla repercussão do assunto motivou a instituição a abrir um processo administrativo para investigar o caso, o que provavelmente não teria ocorrido não fosse sua exaustiva repercussão midiática.

As fotos neste post mostram dois momentos do trote. Na primeira, um veterano segura as correntes que amarram uma caloura pintada de preto, a qual segura um cartaz com os dizeres "Caloura Chica da Silva".

Na outra, os veteranos fazem a saudação nazista ao lado de um calouro amarrado a uma pilastra, com o rosto pintado de vermelho (uma referência também aos comunistas, inimigos mortais e vencedores dos nazistas na II Guerra Mundial?).

Não bastasse a gravidade do ato por si só, tão ou mais preocupante ainda tem sido sua repercussão entre os estudantes de direito da UFMG. Um grande número desses tem se posicionado a favor (!) dos veteranos, valendo-se de argumentos pífios que demonstram seu baixíssimo nível de consciência política e histórica.

A argumentação dos futuros advogados é que tudo não passa de uma "brincadeira". Tentam, dessa maneira, desqualificar o ocorrido como se o caráter chistoso de um ato lhe caracterizasse como algo "para além do bem e do mal".

Mas "brincadeiras" não são, de forma alguma, amorais. Em "Os chistes e sua relação com o inconsciente", Freud desvenda o mecanismo das "brincadeirinhas" e das "piadinhas", mostrando que elas são formas veladas de expressão de conteúdos agressivos e que cumprem uma função de realização de desejos.

A propósito, especula-se que uma das principais motivações de Freud ao escrever esta obra tenha sido sua própria experiência de ter sido vítima do que hoje denomina-se bullying. É que Freud, sendo judeu, era constantemente agredido através de "brincadeirinhas" e "piadinhas", numa Viena em que o anti-semitismo já se mostrava bastante desenvolvido.

Freud mostra que certo tipo de chistes (que ele chama de "tendenciosos"), assim como os sonhos, são realizações de desejos inconscientes. As "brincadeirinhas" são um meio de nos libertarmos de nossas inibições para que possamos expressar aquilo que, de outra forma, não ganharia expressão a nível consciente. Dizendo de outra maneira, as "brincadeirinhas" são uma maneira de dar expressão a conteúdos que são moral ou socialmente inaceitáveis.

Podemos perceber como as piadas e "brincadeirinhas" nos livram de nossas inibições ao perceber como rimos, por exemplo, de piadas cujo conteúdo é sexual. Para isso basta fazer um teste. Se uma pessoa nos expressa o conteúdo de uma piada sexual de forma direta, sem se valer das técnicas que tornam esse conteúdo uma piada (jogos de palavras, representação pelo oposto, condensação, etc - ou seja, basicamente os mesmos processos utilizados pelo censor para gerar o conteúdo manisfesto dos sonhos), provavelmente não rimos. Pelo contrário, podemos até sentir a chamada "vergonha alheia" pelo nosso interlocutor. Mas achamos a piada tanto melhor quanto mais bem feita for sua elaboração, quanto mais velada for a expressão do seu conteúdo (piadas "inteligentes").

A abordagem psicanalítica dos chistes (ou das "brincadeirinhas") só reforça, portanto, a gravidade do trote racista desses estudantes de direito da UFMG, mostrando que, longe de ser "amoral", o ato foi extremamente grave e é muito preocupante, pois revela que os elementos e a estrutura de caráter que tornam os indivíduos suscetíveis a discursos como os de Adolf Hitler se fazem presentes em cada um deles. E estão urgindo por expressão consciente.

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  1. E são pessoas assim que vão nos governar amanhã. Como posso almejar um futuro melhor...é muito triste tudo isso... :(

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