Por que pessoas boas sofrem? Kant e o Sumo Bem


O sofrimento no mundo - ou o problema do mal - é uma questão clássica da filosofia. As possíveis respostas a este problema podem variar de acordo com uma premissa mais fundamental: se Deus existe ou não.

Se Deus não existe, isso significa que o universo nos é indiferente e que a pergunta não faz sentido. Somos não muito mais que um amontoado de células capazes de sentir dor, e estamos sujeitos às mesmas leis naturais que qualquer outro pedaço de matéria inerte.

Se Deus existe, e suas características são próximas daquelas descritas pela tradição judaico-cristã, então como e por que ele permite o sofrimento de pessoas boas? A resposta a esta questão pode levar a dois caminhos diametralmente opostos: à afirmação da existência de Deus ou à sua negação, ao ateísmo.

Esta questão preocupou Immanuel Kant. O filósofo alemão percebeu que o Sumo Bem, a união entre moralidade e felicidade, não existe neste mundo. Vemos que os maus prosperam muitas vezes, e que milhões de pessoas boas e honestas sofrem e levam uma vida miserável. A exigência da razão prática pela consumação do Sumo Bem leva, portanto, a dois postulados: 1) a alma tem que ser imortal e 2) Deus tem que existir.

Kant restabelece, assim, a existência de Deus. Em sua principal obra, a Crítica da razão pura, ele havia mostrado que Deus é apenas uma ideia da razão, e que os argumentos para provar sua existência, como os argumentos cosmológicos e ontológico, não funcionam. Já na Crítica da razão prática, no entanto, ele restabelece a existência de Deus, que surge agora como uma exigência da razão prática para a efetivação do Sumo Bem.

O mal argumenta contra Deus

Diante deste mesmo problema, para o qual Kant restabelece a existência de Deus a fim de efetivar a união entre moralidade e felicidade, outros filósofos enxergam, pelo contrário, uma evidência de que é pouco provável que Deus exista.

Uma tentativa de resposta teológica a esta questão considera que o sofrimento serve para o nosso aperfeiçoamento moral, e que um dia, todo este mal que vemos no mundo fará sentido. Quando o mundo acabar e todos estiverem ou no céu ou no inferno, vamos finalmente compreender os propósitos divinos que agora não entendemos, dizem eles. O problema é que parece haver certas formas de sofrimento que não cumprem propósito algum.

Imaginem uma situação em que uma criança cai em um desfiladeiro ou em um poço e fica por vários dias sozinha, ferida, exposta ao frio e à fome, até morrer dias depois sem que ninguém a veja e jamais saiba o que aconteceu. Se o seu desaparecimento tivesse o propósito de aperfeiçoar moralmente seus pais, ela poderia simplesmente ter morrido imediatamente e o efeito sobre eles seria o mesmo. E considerando sua pouca idade e inocência, tampouco poderíamos dizer que seu sofrimento lhe tornou moralmente melhor.

Isso é apenas um exemplo, mas nos mostra que esta ideia de aperfeiçoamento moral não explica certa forma de mal que há no mundo. Parece indicar, antes, que é pouco provável que um Deus bom, onisciente e todo-poderoso exista. 

Como afirma o paradoxo de Epicuro: ou Deus quer acabar com o mal, mas não pode, ou ele pode, mas não quer. Em todo caso, não é compreensível que o mal exista sob os olhos de um Deus que seja bom e todo-poderoso ao mesmo tempo.

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